sexta-feira, 7 de abril de 2023
SEXO VIRTUAL, de Zygmunt Bauman
Emily Dubberley, autora de Brief Encounters: The Women’s Guide to Casual Sex, escreveu que, em nossos dias, obter sexo “é como encomendar uma pizza. … Agora você pode conectar-se à internet e encomendar genitália”. Não há mais necessidade de flertar ou fazer a corte, não é preciso empenhar todas as energias para obter a aprovação do(a) parceiro(a), nem mover mundos e fundos para merecer e conquistar o consentimento do outro; é dispensável insinuar-se aos olhos dela ou dele e esperar um longo tempo, quiçá uma eternidade, para que todos esses esforços deem resultados.
Isso significa, porém, que acabaram todas aquelas coisas que costumavam fazer do encontro sexual um acontecimento tão estimulante, embora incerto, uma busca de aventura romântica, arriscada e cheia de armadilhas. Não há ganhos sem perdas. O sexo pela internet, entusiasticamente recebido por tanta gente, não é exceção a essa regra melancólica. Alguma coisa se perdeu – se bem que é comum ouvir muitos homens e quase igual número de mulheres dizerem que os ganhos valeram o sacrifício. Os ganhos são: conveniência – redução do esforço a um mínimo; velocidade – encurtamento da distância entre o desejo e sua satisfação; e garantia contra as consequências – que, como é próprio das consequências, nem sempre seguem o roteiro estabelecido e desejado. Consequências raramente são antecipadas, cobiçadas e bem-recebidas. Elas tanto podem se revelar desagradáveis e problemáticas quanto alegres e auspiciosamente agradáveis.
A publicidade de um website que vende sexo rápido e seguro (“sexo sem compromisso”), e se vangloria de ter 2,5 milhões de assinantes, diz o seguinte: “Encontre parceiros sexuais de verdade esta noite mesmo”. Outro site, que conta com milhões de associados espalhados pelo mundo afora, especializado em satisfazer o espírito aventureiro de parte do público gay, escolheu um slogan diferente: “O que você quiser, quando quiser”.
Os dois slogans mal conseguem esconder a mesma mensagem: os produtos ambicionados estão prontos para o consumo instantâneo, imediato; o desejo e sua satisfação fazem parte do mesmo pacote; você é que manda, mensagem que soa doce e apaziguadora a ouvidos treinados por milhões de comerciais (cada um de nós é obrigado/manipulado a assistir a mais comerciais por ano que nossos avós durante a vida inteira). Hoje, ao contrário do que ocorria no tempo de nossos avós, esses anúncios prometem prazeres sexuais tão instantâneos quanto café ou sopa em pó (“basta adicionar água quente”). Eles degradam, condenam e ridicularizam os prazeres espacial ou temporalmente remotos, que só podem ser obtidos com paciência, abnegação e muita boa-vontade, longo e árduo aprendizado, esforços desajeitados, complicados e às vezes extremamente difíceis – e que fazem pressentir tantos erros quanto as tentativas necessárias.
Algumas décadas atrás, esse tipo de “complexo de impaciência” foi sintetizado na famosa reclamação de Margareth Thatcher contra o Sistema Nacional de Saúde britânico e as razões que apontou para explicar por que era melhor deixar ao mercado a prestação de serviços médicos: “Quero um médico de minha escolha no momento que eu quiser.” Pouco tempo depois, inventaram-se os meios – varinhas mágicas no formato de cartão de crédito; mesmo que não realizasse integralmente o sonho da sra. Thatcher, o cartão pelo menos contribuiu para torná-lo plausível e crível. Esses instrumentos puseram a filosofia consumista ao alcance de um número crescente de indivíduos que bancos e financeiras consideravam merecedores de atenção e benevolência.
A sabedoria popular antiga e atemporal adverte-nos que “não se deve contar com os ovos antes de serem postos”. Acontece que agora os ovos da nova estratégia do prazer instantâneo já foram postos em profusão, toda uma geração deles, e temos todo o direito de começar a contar com eles. O psicoterapeuta Phillip Hodson já os contou, e suas conclusões mostram o resultado da fase eletrônica virtual da revolução sexual em curso como uma faca de dois gumes.
Hodson identificou o paradoxo do que qualifica como “cultura da gratificação instantânea, descartável” (que ainda não é universal, mas está em rápida expansão): pessoas que, numa só noite, podem namorar (eletronicamente) mais gente que seus pais – para não falar nos pais deles – teriam encontrado durante toda a vida, mais cedo ou mais tarde descobriam que, como acontece com todos os vícios, a satisfação obtida diminui a cada nova dose da droga. Tivessem elas a possibilidade de examinar com atenção o que suas experiências propiciam, descobririam, para sua surpresa e frustração (embora tarde demais), que o romantismo, o lento e complicado processo de sedução que hoje só lhes é dado ler nos velhos livros, não significava obstáculos desnecessários, redundantes, cansativos e irritantes a bloquear o caminho para a “coisa em si” (como os fizeram crer); estes são ingredientes importantes e até cruciais da própria “coisa”, aliás, de todas as coisas eróticas e “sensuais”, partes de seu charme e atrativo.
Em suma, ganhou-se em quantidade o que se perdeu em qualidade. O “novo sexo melhorado” via internet na verdade não é a “coisa” que fascinara e encantara nossos ancestrais e os inspirara a escrever inúmeros volumes de poesia para louvar sua glória e esplendor, para confundir o êxtase conjugal com o céu. Hodson, a exemplo de muitos outros pesquisadores, também descobriu que, mais que ajudar a criar vínculos e diminuir a tragédia dos sonhos não realizados, o sexo pela internet ajuda a enfraquecer e tornar mais superficiais as relações laboriosamente construídas na vida real off-line; por isso mesmo, é menos satisfatório e cobiçado, menos “valioso” e valorizado.
Georg Simmel observou muito tempo atrás que a medida do valor das coisas é o sacrifício necessário para obtê-las. Um número maior de pessoas pode “fazer sexo” com maior frequência. Porém, paralelamente a isso, cresce o número dos que vivem sozinhos, se sentem solitários e sofrem de agudos sentimentos de abandono. Essas pessoas que buscam com desespero fugir à dor desses sentimentos são assediadas pelas promessas de mais “sexo on-line”. E acabam compreendendo que, em vez de lhes saciar a fome de companhia humana, o sexo proporcionado pela internet só aumenta a sensação de perda e o sentimento de humilhação, solidão e privação da experiência do calor humano.
Cabe lembrar outra questão que vem à tona quando se avalia o saldo de perdas e ganhos. Os sites de relacionamento pela internet (e mais, os sites que oferecem sexo instantâneo) tendem a apresentar parceiros para transas de uma só noite em catálogos nos quais os “produtos disponíveis” são classificados de acordo com marcas selecionadas – altura, tipo de corpo, origem étnica, pelos corporais etc. (os critérios variam de acordo com o público-alvo e com o que se considera “relevante”). Desse modo, os clientes podem ajustar o(a) parceiro(a) escolhido(a) a partir de pedaços ou partes que parecem determinar a qualidade do “conjunto” e os prazeres sexuais desejados. Nesse processo, de algum modo, o “ser humano” se desintegra e desaparece: não se vê mais a floresta para além das árvores.
Escolher seu parceiro sexual num catálogo de traços peculiares e usos desejáveis, como se faz com mercadorias selecionadas em catálogos on-line de empresas comerciais, perpetua o mito que o ato origina; e insinua por si mesmo que cada um de nós, seres humanos, somos menos pessoas ou personalidades cujas qualidades não repetíveis estão todas contidas em nossa singularidade ou peculiaridade, mas uma coleção desordenada de atributos vendáveis ou difíceis de vender.
(44 cartas do mundo líquido moderno; tradução de Vera Pereira)
(Ilustração: Gustav Klimt - Danae - 1907)
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