domingo, 31 de agosto de 2014

YO FRANÇOIS VILLON / EU, FRANÇOIS VILLON..., de Leopoldo María Panero

  


  



Yo François Villon, a los cincuenta y un años

gordo y corpulento, de labios color ceniza

y mejillas que el vino amoratara,

a una cuerda ahorcado

lo sé todo acerca del pecado.

Yo, François Villon,

a una cuerda pendido

me balalnceo lento, habiendo sido

peor que Judas, quien también murió ahorcado.

Las viejas se estremecen al oír mis hazañas

pues no tuve respeto para la vida humana.

Que el viento me mueva, ya oigo cerca las voces

de aquellos que mandé a freír monas.

Me esperan en el infierno

y alargan las manos

porque se ha corrido allí, del Leteo al Cocyto

¡que al fin Villon había muerto ahorcado!

Ya la luna aparece, e ilumina la horca

dando a mi rostro el color de la sangre

yo, que hice mal sabedor de que lo hacía

hasta que por fin he muerto ahorcado.

Ya los lobos ladran en torno al patíbulo

y los niños gritan, parecidos a ratas:

¡Villon ha muerto ahorcado!

Viejas que me insultabais en la carretera oscura:

¡sabed que el semen moja mis caderas

y es fresco y sabroso el semen del ahorcado!

Que mis dientes sirvan

de jugo en tu caldera

bruja de los límites, tú a quien admiro

sabedora de embrujos, de filtros y de hechizos

más poderosos que la fe y que los apóstoles

de quienes se burló el Mago, más apta que ellos

para conocer el dolor

¡de este que un sepulcro merece!

Y que el viento diga, al amanecer, mañana

vanamente a ranas y a gusanos

Villon se ha hecho al fin célebre

pues al fin una horca dibuja su figura

¡Villon ha muerto ahorcado!

Y que de mi mano ajada caiga la rosa

que mis dientes estrujaron

pues ella supo mis crímenes

y fue mi confidente

y dígalo ella al mundo, cayendo sobre el suelo

¡Villon ha muerto ahorcado!

Pronto vendrá la canalla

a hozar en mi tumba

y orinarán encima, y los amantes

harán seguro el amor sobre mis huesos

y será la nada mi más escueto premio

para que ella lo diga,

no sé si nada o rosa:

¡Villon ha muerto ahorcado!

Sabrán de mí los niños

de edades venideras

como de un gran pecador

y asustados correrán a esconderse

bajo las sábanas cuando sus madres

les digan: «Cuidado ahí viene».

Y esa será la fama de Villon, el Ahorcado.

Y será tal mi fama que prefiero el olvido

porque un día, mañana

de ese futuro que el hedor hace

parecerse al recuerdo, una mano

dejará caer, al oír mi nombre

el fruto del culo, el excremento

y mi vida, y mi carne, y todos mis escritos

¡promesa serán sólo para las moscas!





Tradução de Jorge Melícias:




Eu, François Villon, aos cinquenta e um anos

gordo e corpulento, de lábios cor de cinza

e bochechas que o vinho arroxeara,

a uma corda enforcado

sei tudo acerca do pecado.

Eu, François Villon,

de uma corda pendido

balanceio-me lento, tendo sido

pior que Judas, que também morreu enforcado.

As velhas estremecem ao ouvir as minhas façanhas

pois não tive respeito pela vida humana.

Que o vento me mova, oiço já próximas as vozes

daqueles a quem mandei pentear macacos.

Esperam-me no inferno

e esfregam as mãos

porque correu ali, do Lete(1) ao Cócito(2),

que por fim Villon tinha morrido enforcado!

E a lua aparece, e ilumina a forca

dando ao meu rosto a cor do sangue,

eu, que me fiz de mau entendedor do que fazia

até que por fim morri enforcado.

E os lobos ladram em torno do patíbulo

e, semelhantes a ratazanas, as crianças gritam:

Villon morreu enforcado!

Velhas que me insultáveis na estrada escura:

sabei que o sémen molha os meus quadris

e é fresco e saboroso o sémen do enforcado!

Que os meus dentes façam

proveito ao teu caldeirão

bruxa dos confins, tu a quem admiro

conhecedora de bruxedos, de poções e de feitiços

mais poderosos que a fé e que os apóstolos

de quem se riu Simão, o Mago(3), mais apta que eles

a conhecer a dor

deste que nem um sepulcro merece!

E que o vento, ao amanhecer, amanhã,

vaidosamente diga a rãs e a vermes

Villon tornou-se finalmente célebre

pois no fim uma forca delineia a sua figura

Villon morreu enforcado!

E que da minha mão emurchecida caia a rosa

que os meus dentes apertaram

pois ela soube os meus crimes

e foi minha confidente

e que o diga ela ao mundo, caindo ao chão

Villon morreu enforcado!

Logo virá a canalha

fossar no meu túmulo

e urinarão em cima, e certamente os amantes

farão amor sobre os meus ossos

e será o nada a minha mais simples recompensa

para que o diga,

não sei se o nada ou a rosa:

Villon morreu enforcado!

De mim saberão as crianças

de idades vindouras

como de um grande pecador

e assustadas correrão a esconder-se

debaixo dos lençóis quando as suas mães

lhes disserem: “Cuidado, vem aí.”

E essa será a fama de Villon, o Enforcado.

E será tanta a minha fama que prefiro o esquecimento

porque um dia, amanhã

desse futuro que o fedor

assemelha à memória, uma mão

deixará cair, ao ouvir o meu nome

o fruto do cu, o excremento

e a minha vida, e a minha carne, e todos os meus escritos

serão, prometo, só para as moscas!






Notas:


(1) Na segunda parte da Divina Comédia, de Dante Alighieri, o Purgatório, o Lete aparece como um rio de cujas águas os pecadores tinham de beber para apagarem a memória dos seus pecados cometidos - e já apagados pelos castigos purificadores do Purgatório - e entrarem no Céu.


(2) Na Divina Comédia, de Dante Alighieri, o Cócito é um rio de gelo no 9°Círculo do inferno, onde estão os traidores. Nesse rio estão quatro esferas por onde eles se distribuem, e é inclusive a morada de Lúcifer.


(3) Simão, o Mago, também chamado de Simão de Gitta, foi um líder religioso samaritano com quem o apóstolo Pedro terá travado uma acesa polémica (At. 8, 9-24). Encontram-se referências a este personagem no livro dos Actos dos Apóstolos e noutras obras ligadas ao gnosticismo. O texto bíblico narra o episódio em que Simão tenta comprar dos apóstolos o poder de operar milagres. Tal acto, considerado pecaminoso pela teologia cristã, foi denominado de simonia (acto de Simão), termo que define especificamente o comércio ou tráfico de coisas sagradas e espirituais, tais como sacramentos, dignidades, indulgências e benefícios eclesiásticos, e que estaria no centro das críticas e discussão que conduziriam à Reforma protestante no século XVI.




(Leopoldo María Panero, Piedra Negra o del Temblar, XV, 1992, trad. Jorge Melícias)





(Ilustração: Antonio Pisanelo - afresco da igreja de santa Anastácia em Verona)






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