segunda-feira, 24 de março de 2014
O CRIME DE LORDE ARTHUR SAVILE, de Oscar Wilde
Às duas da manhã, ele se levantou e perambulou até o Blackfriars. Tudo parecia irreal! Tal qual um sonho estranho! As casas do outro lado do rio aparentavam ter se erguido das trevas. Poder-se-ia dizer que prata e sombras haviam novamente forjado o mundo. A enorme cúpula da São Paulo avultava-se como uma bolha em meio ao ar empoeirado. Ao se aproximar da Agulha de Cleópatra, ele viu um homem inclinado sobre o parapeito e, quando se acercou dele, o sujeito olhou para cima, a luz do lampião a gás incidindo plenamente em seu rosto. Era o Sr. Podger, o quiromante! Ninguém poderia confundir sua face gorda e flácida, óculos de armação dourada, o doentio e débil sorriso, a boca sensual. Lorde Arthur parou. Uma ideia brilhante percorreu sua mente e, sorrateiro, ele se achegou para trás. Num instante, havia agarrado o Sr. Podgers pelas pernas e o lançado ao Tâmisa. Houve uma imprecação vulgar, uma forte pancada na água e depois quietude. Lorde Arthur olhou ansiosamente para o rio, mas não pôde ver sinal do quiromante além de uma cartola, fazendo piruetas num redemoinho iluminado pelo luar. Depois de um tempo, também afundou e mais nenhum vestígio do Sr. Podgers continuou visível. Assim que julgou vislumbrar uma figura disforme e desajeitada debatendo-se em direção à escada da ponte, uma sensação horrível de fracasso apoderou-se dele, mas, no fim, tudo não passou de um reflexo. E quando a Lua tornou a brilhar, saindo de trás de uma nuvem, a imagem esvaiu-se. Por fim, ele pareceu ter-se dado conta do decreto do Destino. Soltou um pesado suspiro de alívio e o nome de Sybil veio aos seus lábios.
- Deixou cair alguma coisa, Senhor? - disse repentinamente uma voz às suas costas. Ele se virou de supetão e viu um policial com uma lanterna.
- Nada de importante, sargento - respondeu, sorrindo e acenando para um cabriolé que passava. Saltando para seu interior, disse ao condutor que rumasse à praça Belgrave.
(Lord Arthur Savile's crime; citado em "Do Inferno", de Alan Moore e Eddie Campbell; tradução de Jotapê Martins)
(Ilustração: Agulha de Cleópatra - Cleopatra's needle - London; foto da internet, sem indicação de autoria).
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