terça-feira, 11 de junho de 2013
O PAPAGAIO, de J. Simões Lopes Neto
O reverendo Padre Bento de S. Bento
- que o senhor talvez conhecesse, não? -
era um Santo homem paciente -
paciente! paciente! - como naquela época outro não houve.
Nos circos de burlantins muita cousa
curiosa tenho apreciado: cachorros sábios, cabras que fazem provas, cavalos
dançarinos e burros que a dente pegam o palhaço pelo... atrás das pantalonas;
mas a paciência para esse ensino não pode comparar-se, não se pode, com a do
reverendíssimo.
O Padre Bento, farto de aturar sacristãos
e não querendo estragar a sua paciência, que estava-lhe na massa do corpo,
resolveu dizer as suas missas... sozinho.
Preparava as galhetas, o missal
etc.; depois pachorrentamente paramentava-se e pachorrentamente esperava a hora
de oficiar; chegada, encaminhava-se para o altar, e começava e concluía, parte
por parte, tudo muito em ordem.
Mas o filé, o bem-bom, era quando
entrava a ladainha: ele cantava o nome do soneto e uma vozinha esquisita,
porém muito clara, respondia logo:
- O-o-a por nob-s!
E os fieis, em seguida, pela pequena
nave afora, acudiam ao estribilho:
- Ora pro nobis!
Dessas ladainhas assisti eu a
muitas, na capelinha de S. Romualdo, que era próxima a nossa casa, na Vila de...
Agora sabem quem cantava as
ladainhas do Padre Bento?
Era o Lorota, um papagaio amarelo,
criado na gaiola e muito bem falante... com ele diverti-me muitas vezes:
- Lorota, da cá o pé!
E ele, ensinado pelo padre,
respondia, amável!
Coitado!... O padre morreu e o
Lorota, não tendo mais a quem dar contas, fugiu. Passaram-se os anos.
Uma vez, estava eu na Serra, numa
espera de onça, quando senti - confesso, não medo, mas um arrepio de... frio
- quando ouvi, nas profundezas do mato virgem, uma ladainha religiosa!...
E pausada, afinada, bem puxada em
suma! Seria um sonho?... Estaria eu errado na tocada das onças, e, em vez de
estar na floresta cheia de bichos ferozes, estava na vizinhança de algum
convento, de alguma capela, de alguma romaria?...
E a ladainha, compassada e cheia,
vinha se aproximando:
- Bento S. Bento!
- Ora pro nobis!
- Santo Atanásio!
- Ora pro nobis!
- S. Romualdo!
- Ora pro nobis!
Eu mergulhava os olhos por entre os
troncos, os cipós e as japecangas a ver se bispava uma cor de opa, uma luz
de tocha, uma figura de gente; nada! Nisto, a ladainha pousou nas
arvores, por cima de mim. Pousou, sim, é o termo próprio, porque quem cantava
era um bando de papagaios e quem puxava a ladainha era o papagaio do
Padre Bento, era o Lorota!
A paciência do bicho!... Ensinar,
direitinho, aos outros, a cantoria toda!...
Pasmo daquele espetáculo, e
duvidando, quis tirar uma prova real, e perguntei para cima:
- Lorota? Dá cá o pé!...
Pois o papagaio conheceu a minha
voz, conheceu, porque logo retrucou-me com a antiga resposta que ele sempre
dava:
- Romualdo é bonito! Bonito!...
E como para obsequiar-me fez um -
crr! - como aviso de comando e recomeçou a ladainha:
- Bento S. Bento!
- Ora pro nobis!
- Santo...
Nisto tremeu o mato com um berro
pavoroso... o Lorota e seu bando bateu asas... e eu olhei em frente: a sete
passos de distância estava agachada, de boca aberta, pronta para o salto,
uma onça dourada, uma onça ruiva; uma onça de braça e meia de comprido!...
E na aragem do mato ainda soou um
vozerio distante.
- Or... a pro no... bis!
- S... Ro... mual... do!
- Ora... pro... nobis!...
(Ilustração: Orlando de
Sant'anna - pássaro amarelo)
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