quarta-feira, 15 de maio de 2013

PUERICENTRISMO, de Jean-Jacques Rousseau







1. Apenas observarei, contra a opinião comum, que o preceptor de uma criança deve ser jovem, e até mesmo tão jovem quanto pode sê-lo um homem sábio. Gostaria que ele próprio fosse criança, se possível, para que pudesse ser um companheiro de seu aluno, e conquistar sua confiança ao compartilhar suas diversões.

2. Em primeiro lugar, as crianças têm, por assim dizer, uma gramática para a sua idade, cuja sintaxe tem regras mais gerais que a nossa. Se prestássemos bastante atenção, ficaríamos admirados com a exatidão com que seguem certas analogias, muito defeituosas talvez, mas regularíssimas, que só não são chocantes pela sua dureza ou porque o uso corrente não as admite. Acabo de ouvir uma pobre criança que foi admoestada pelo pai por lhe ter dito: mon père, irai-je-ty? Ora, percebe-se que a criança seguiu melhor a analogia do que os gramáticos, pois já que lhes diziam vas-y, por que não dizer irai-je-t-y? Observai além disso com que habilidade ela evitou o hiato de irai-jey ou de y irai-je? É culpa da pobre criança se descabidamente tiramos da frase o advérbio determinante porque não sabíamos o que fazer com ele? É de um pedantismo insuportável e uma preocupação das mais supérfluas empenharmo-nos em corrigir nas crianças todos esses errinhos contra o bom uso, que com o tempo nunca deixam de ser corrigidos por elas mesmas. Falai sempre com correção diante delas, fazei com que não se sintam melhor com outros do que convosco e tereis certeza de que imperceptivelmente sua linguagem se purificará com a nossa sem que jamais a tenhais corrigido.

3. [...] Estudemos as crianças e logo reaprenderemos com elas.

4. Homens, sede humanos, esse é vosso primeiro dever; sede humanos para todas as condições, para todas as idades, para tudo o que não é alheio ao homem. Para vós, que sabedoria está fora da humanidade? Amai a infância; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis retirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão duro que lhes foge, e de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar? Por que quereis encher de amargura e de dores esses primeiros anos tão velozes, que não mais voltarão para eles, assim como não voltarão para nós? Não fabriqueis remorsos para vós mesmos retirando os poucos instantes que a natureza lhes dá. Assim que eles puderem sentir o prazer de existir, fazei com que o gozem; fazei com que, a qualquer hora que Deus os chamar, não morram sem ter saboreado a vida.

5. A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens.

6. Portanto, a primeira educação deve ser puramente negativa. Consiste não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em proteger o coração contra o vício e o espírito contra o erro. Se pudésseis nada fazer e nada deixar que fizessem, se pudésseis levar vosso aluno são e robusto até a idade de doze anos sem que ele soubesse distinguir a mão esquerda da direita, desde vossas primeiras lições, os olhos de seu entendimento se abririam para a razão; sem preconceitos, sem hábitos, ele nada teria em si que pudesse obstar o efeito de vossos trabalhos. Logo se tornaria em vossas mãos o mais sábio dos homens e, começando por nada fazer, teríeis feito um prodígio de educação.





(Emílio ou da educação - Tradução de Roberto Leal Ferreira)






(Ilustração: Jean Bailly - triciclo)


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