a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.
por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.
reluzindo na sombra pardacenta,
refletindo um semblante de mulher.
libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte
sem realmente desejar que eu viva.
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.
mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.
sentir nas bambas teclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.
conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.
(Ilustração: João Ruas)
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