quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
VERNON E SEUS CÁLCULOS DE AMOR, de Martin Amis
Vernon fazia amor com a esposa três vezes e meia por semana, e isso estava muito bem. Por algum motivo, fazer amor sempre tinha essa média.
Normalmente - se bem que nunca invariavelmente - eles faziam amor uma vez a cada duas noites. Por outro lado, sabia-se que Vernon podia fazer amor com a esposa sete noites consecutivas; nas sete noites seguintes, não faziam amor - ou talvez viessem a fazer uma vez só, mas nesse caso só fariam amor duas vezes na semana seguinte, mas quatro vezes depois disso - ou talvez só três vezes, e nesse caso fariam amor quatro vezes na semana seguinte, mas só duas vezes na semana subsequente - ou talvez uma vez só. E assim por diante. Vernon não sabia por quê, mas fazer amor sempre dava essa média; parecia invariável. De vez em quando – e por acaso isso era de admirar? – Vernon descobria que tinha vontade de que a semana tivesse apenas seis dias, ou nada menos do que oito dias, para tornar esses cálculos (que tinham sempre um efeito aprazivelmente fortificante para o espírito) mais fáceis de manejar.
Sem exceção, era o próprio Vernon quem dava início a seus atos conjugais. Sua esposa retribuía toda vez com a mesma vivacidade acanhada. As preliminares orais não eram de maneira nenhuma desconhecidas para eles.
Em média - e de novo sempre ficava dentro de uma média, e de novo Vernon cumpria sempre o papel do compenetrado animador de circo -, a felação era executada pela esposa uma vez a cada três cópulas, ou 60,8333 vezes no ano, ou 1,1698717 vez por semana.
Vernon praticava a cunilíngua mais raramente ainda: uma vez a cada quatro cópulas, em média, ou 45,625 vezes por ano, ou 0,8774038 vez por semana. Seria também um erro imaginar que isso abrangia todas as variações que eles punham em prática.
Vernon sodomizava a esposa duas vezes por ano, por exemplo - no dia do aniversário dele, o que lhe parecia muito apropriado, mas também, ironicamente (pelo menos era o que ele pensava), no dia do aniversário dela. Vernon punha isso na conta das noites dispendiosas que eles sempre desfrutavam nessas ocasiões e, mais especialmente, o creditava aos efeitos do champanhe. Vernon sempre sentia uma vergonha horrorosa depois e, no café da manhã do dia seguinte, parecia um claudicante espectro de remorsos e constrangimento. A esposa de Vernon nunca falava uma palavra sobre o assunto, o que não era nada mau. Se alguma vez falasse, Vernon na certa pararia de fazer aquilo. Mas ela nunca dizia nada.
A mesma coisa acontecia quando Vernon ejaculava na boca da esposa, o que, em média, ele fazia 1,2 vez por ano. A essa altura, estavam casados havia dez anos. Isso era conveniente. Como não seria quando estivessem casados por onze anos - ou por treze! Uma vez, e só uma única vez, Vernon estava a ponto de ejacular na boca da esposa quando de repente mudou de ideia: em vez disso, ejaculou em cima de todo o rosto da mulher. Ela também não falou nada sobre o assunto, graças a Deus. Por que ele resolveu mudar de ideia na última hora, isso Vernon nunca entendeu. Agora, não achava que tinha sido uma boa ideia.
Atormentava-o imensamente pensar que esses raros atos libidinosos patenteassem um desejo de humilhar e degradar a pessoa amada. E ela era a pessoa amada. Contudo, ele só fizera isso uma única vez. Vernon ejaculava em cima da cara da esposa 0,001923 vez por semana. Isso não era ejacular muitas vezes em cima da cara da mulher, era?
Vernon era um homem de negócios. Seu escritório continha várias calculadoras eletrônicas. Vernon frequentemente submetia seus dados conjugais a essas máquinas rápidas, eficientes e impecavelmente discretas. Elas sempre retribuíam, radiosas, com a mesma resposta, como se dissessem: "Sim, Vernon, é este o número de vezes que você faz isso". Ou : "Não, Vernon, você não faz isso mais do que tantas vezes". Vernon gastava todas as horas do almoço curvado em cima da calculadora. E no entanto sabia que todos esses números eram, em certo sentido, aproximados. Ah, Vernon sabia, Vernon sabia.
Então, um dia, um poderoso computador branco foi entregue ao departamento de contabilidade. Vernon percebeu logo que um sonho longamente acalentado agora podia se tornar realidade: saltar sobre os anos.
Ah, Alice. Não quero ser incomodado, entendeu? - disse ele muito sério à faxineira, quando se deixou ficar no escritório naquela noite. Tenho que fazer umas contas muito importantes no departamento de contabilidade.
Pouco depois de meia-noite, os olhos vermelhos e ardentes de Vernon miravam freneticamente a tela do monitor, onde toda a sua vida sexual se achava distribuída em tabelas, na forma de prismas recorrentes de três e seis lados, dispostos em séries infindáveis, como espelhos colocados uns diante dos outros.
A esposa de Vernon era a única mulher que Vernon havia conhecido. Ele a amava e gostava demais de fazer amor com ela; com certeza, nunca aspirou a outro desaguadouro para seus impulsos. Quando Vernon fazia amor com a esposa, só pensava no prazer dela e na beleza dela: os sons pouco frequentes, mas animadores, que ela emitia através dos dentes harmoniosamente entreabertos, a elasticidade divina de seus braços e pernas, o fervor, o delírio e a segurança do momento.
O sentimento de paz que se seguia tinha só um pouco a ver com a grande probabilidade de a noite seguinte ser de folga. Até os sonhos de Vernon eram monógamos: as mulheres que habitavam aquelas paisagens desconexas, mas essencialmente cotidianas, eram meros ícones do autossuficiente reino feminino, enfermeiras, freiras, motoristas de ônibus, guardadoras de estacionamentos, policiais.
Só de vez em quando, digamos, uma vez por semana, ou menos, ou de uma forma incalculável, ele via coisas que o faziam desconfiar de que a vida podia ter espaço para abrigar mais elementos - uma fita luminosa que demarcava a curvatura convexa de uma ponte, algumas formações de nuvens, figuras afoitas que corriam em meio à luz cambiante.
(Água Pesada e outros contos; tradução: Rubens Figueiredo)
(Ilustração: Sarah Anne-Johnson - Wonderlust)
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