domingo, 28 de junho de 2020
ELE A TOMA COMO TOMARIA A FILHA, de Marguerite Duras
Desde que ele tinha enlouquecido com seu corpo, a menina não sofria mais com o fato de tê-lo, com sua magreza, e estranhamente nem mesmo sua mãe se preocupava tanto quanto antes, como se ela também tivesse descoberto que esse corpo afinal era plausível, aceitável, como qualquer outro. Ele, o amante de Cholen, acha que o crescimento da menina foi afetado pelo excesso de calor. Descobre que compartilha esse parentesco com ela. Diz que todos esses anos passados aqui, nessa latitude insuportável, fizeram que ela ficasse como as moças dessa região da Indochina. Que tem os pulsos finos como elas, os mesmos cabelos bastos que parecem ter absorvido toda a força do corpo, longos como os delas, e principalmente essa pele, essa pele de todo o corpo que vem da água da chuva que as pessoas aqui guardam para o banho das mulheres e das crianças. Ele diz que as mulheres da França, em comparação, têm a pele do corpo grossa, quase áspera. Diz ainda que a alimentação pobre dos trópicos, composta de peixes e frutas, também contribui. E também os algodões e as sedas das roupas, sempre largas essas roupas, que flutuam sobre o corpo, livre, nu.
O amante de Cholen se entrega à adolescência da menina branca a ponto de se perder. O gozo que tem com ela a cada noite toma conta de seu tempo, de sua vida. Quase nem lhe fala mais. Talvez ache que ela não entenderia mais o que ele lhe diria sobre ela, sobre esse amor que ainda não conhecia e sobre o qual não sabe dizer nada. Talvez tenha descoberto que nunca se falaram, a não ser nos gritos do quarto à noite. Sim, acho que ele não sabia, ele descobre que não sabia.
Ele a olha. Com os olhos fechados ainda a olha. Respira seu rosto. Respira a criança, com os olhos fechados respira sua respiração, o ar quente que sai dela. Ele percebe cada vez menos claramente os limites desse corpo, que não é como os outros, ele não acaba, no quarto continua a crescer, as formas ainda não se detiveram, a todo momento estão se fazendo, ele não está ali apenas onde se vê, está em outro lugar também, se estende além da vista, para o jogo, para a morte, ele é maleável, parte-se inteiro no gozo como se fosse grande, adulto, sem malícia, com uma inteligência assustadora.
Eu olhava o que ele fazia comigo, como se servia de mim, e nunca tinha pensado que se podia fazer assim, ele ia além de minha esperança e em consonância com o destino do meu corpo. Assim me tornei sua filha. Ele também tinha se tornado outra coisa para mim. Eu começava a reconhecer a suavidade indizível de sua pele, de seu sexo, para além dele. A sombra de outro homem também devia atravessar o quarto, a de um jovem assassino, mas eu ainda não sabia, nada disso ainda aparecia a meus olhos. A de um jovem caçador também devia atravessar o quarto, mas quanto a esta, sim, eu sabia, às vezes ele estava presente no gozo e eu dizia a ele, ao amante de Cholen, eu lhe falava de seu corpo e de seu sexo também, de sua inefável suavidade, de sua coragem na floresta e nos rios nas embocaduras das panteras negras. Tudo se somava ao seu desejo e o levava a me possuir. Eu tinha me tornado sua filha. Era com a filha que ele fazia amor todas as noites. E às vezes ele fica com medo, de repente se preocupa com a saúde dela como se descobrisse que ela é mortal e lhe ocorresse a ideia de que podia perdê-la. Que ela seja tão franzina, de repente, e às vezes ele também fica com um medo brutal. E essa dor de cabeça também, que tantas vezes lhe traz agonia, lívida, imóvel, uma compressa úmida sobre os olhos. E esse desgosto também que, às vezes, ela sente pela vida, quando a acomete, quando pensa em sua mãe e de repente grita e chora de raiva diante da ideia de não poder mudar as coisas, fazer a mãe feliz antes que morra, matar os que lhe fizeram mal. Com o rosto junto ao dela, ele toma suas lágrimas, esmaga-a contra si, louco de desejo por suas lágrimas, por sua raiva.
Ele a toma como tomaria a filha. Tomaria a filha da mesma maneira. Ele brinca com o corpo da filha, vira-o, afunda nele o rosto, a boca, os olhos. E ela, ela continua a se abandonar na direção exata que ele tomou quando começou a brincar. E de súbito é ela que suplica, não diz o quê, e ele, ele lhe grita que se cale, ele grita que não a quer mais, não quer mais gozar com ela, e de novo os dois presos, aferrolhados um ao outro no pavor, e então esse pavor se dissolve novamente, eles cedem a ele uma vez mais, nas lágrimas, no desespero, na felicidade.
Ficam calados durante a noite. No carro preto que a leva de volta ao pensionato, ela apoia a cabeça em seu ombro. Ele a abraça. Diz a ela que é bom que o navio da França venha logo, que a leve embora e que eles se separem. Ficam calados durante o trajeto. Às vezes ele pede que o motorista dê uma volta ao longo do rio. Exausta, ela adormece junto dele. Ele a desperta com beijos.
(O Amante; tradução de Denise Bottmann)
(Ilustração: John Currin)
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