Eu que ainda me atenho a tantas coisas
Que reparo o movimento das nuvens
E percebo a chuva que vem
Pelo avisar dos ossos
Eu que anseio as areias
E o mar a salgar-me a pele
E sempre aposto em caminhadas
Como a melhor panaceia
Eu que arranjo tempo para estrelas
Para as fases da Lua
E mudanças de maré
Que tenho atenção para plantas
E não me descuido dos bichos
Que embora não tome Coca-Cola
E nem pense em casamento
Me imponho fidelidade aos poemas
Que outros à boca miúda
Dizem ser má companhia
Eu que execro salamaleques
E a atribuição de terceiros
Que apesar de uma casa sem filhos
Com tutano me aferro à intenção
De fazê-la sempre um lar
Eu que não perco a noção do que sou
E do que não pretendo vir a ser
E que por sorte praguejo, deliro, desatino
E que quando fecho os olhos
Procuro fazê-lo com afinco
Na convicção quem sabe
Poderei sonhar “a paz”
Eu que não invejo garrafas vazias
Postas fora pela vizinhança
Porque sei não necessito álcool
Para extasiar-me
Eu que a cada manhã
Ao abrir o jornal
Por ser consoante com o Humano que há em mim
Não posso entender a banalização da violência
As injustiças praticadas, a fome, o erro, a peste
E por ser consoante com o Humano que há em mim
E força alguma há de tirar
Como Álvaro de Campos, verifico:
“... que “já não tenho par nisto tudo neste mundo”
(Ilustração: Frida Kahlo)
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