terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

LUGARES COMUNS, de Ana Luísa Amaral









Entrei em Londres


num café manhoso (não é só entre nós


que há cafés manhosos, os ingleses também,


e eles até tiveram mais coisas, agora


é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas


ilhotazitas, mais adiante)






Entrei em Londres


num café manhoso, pior ainda que um nosso bar


de praia (isto é só para quem não sabe


fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era


mesmo muito manhoso,


não é que fosse mal intencionado, era manhoso


na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha


suja. Muito rasca.






Claro que os meus preconceitos todos


de mulher me vieram ao de cima, porque o café


só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate


(se fosse em Portugal era sandes de queijo),


mas pensei: Estou em Londres, estou


sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses


até nem se metem como os nossos,


e por aí fora...






E lá entrei no café manhoso, de árvore


de plástico ao canto.


Foi só depois de entrar que vi uma mulher


sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me


mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.


Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e


depois eu






Lá pedi o café, que não era nada mau


para café manhoso como aquele e o homem


que me serviu disse: There you are, love.


Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou


Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois


pensei: Já lhes está tão entranhado


nas culturas e a intenção não era má, e também


vou-me embora daqui a pouco, tenho avião


quero lá saber






E paguei o café, que não era nada mau,


e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta


a ver a tribo toda a comer ovos e presunto


e depois vi as horas e pensei que o táxi


estava a chegar e eu tinha que sair.


E quando me ia levantar, a mulher sorriu


Como quem diz: That’s it






e olhou assim à sua volta para o presunto


e os ovos e os homens todos a comer


e eu senti-me mais forte, não sei porquê,


mas senti-me mais forte






e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,


que em toda a parte


as mesmas coisas são



(Coisas de Partir)



(Ilustração: Herbert Edward Badham - London pub 1955)






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