sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
NIKKI, de Philip Roth
Nikk – um talento puro, um talento mágico, e absolutamente nada além disso. Ela não sabia diferenciar a mão direita da esquerda, muito menos somar, subtrair, multiplicar ou dividir. Não sabia a diferença entre o sul e o norte, leste e oeste, mesmo em Nova York, onde passara a maior parte da vida. Não podia suportar a visão de pessoas feias, velhas ou aleijadas. Tinha medo de insetos. Tinha medo de ficar sozinha no escuro. Se algo a deixava nervosa – uma vespa com pintas amarelas, uma vítima do mal de Parkinson, uma criança babando em uma cadeira de rodas –, tomava um tranquilizante Miltown, e o Miltown a transformava em uma louca, com um olhar fixo, arregalado, e as mãos trêmulas. Pulava e gritava toda vez que o motor de um carro dava um estouro ou alguém batia uma porta com força. Sabia muito bem como berrar. Quando tentava se mostrar atrevida, poucos minutos depois, se desfazia em lágrimas e dizia: “Farei qualquer coisa que você quiser, mas por favor não me ataque dessa maneira!” Ela não sabia o que era a razão; se mostrava ora de uma obstinação infantil, ora de uma submissão infantil. Nikki deixava Sabbath perplexo ao se enrolar em uma toalha quando saía do banho e, se Sabbath estivesse no seu caminho, passava correndo por ele, rumo ao quarto.
- Por que você faz isso?
- O quê?
- Isso que fez agora, esconder seu corpo de mim.
- Eu não fiz nada.
- Fez, sim, se escondeu atrás da toalha.
- Estava me esquentando.
- Por que passou correndo, como se não quisesse que eu visse?
- Você está doido, Mickey, inventando essa história. Por que tem de me criticar o tempo todo?
- Por que você se comporta como se o seu copo fosse feio?
- Eu não gosto do meu corpo. Odeio meu corpo! Odeio meus peitos! Mulheres não deviam ter peitos!
Ela não conseguia passar ao lado de nenhum tipo de superfície espelhada sem espiar para ver se estava viçosa e bonita, como nas fotos expostas junto à porta do teatro. E, quando subia ao palco, suas mil fobias evaporavam, todas as esquisitices simplesmente deixavam de existir. Em uma peça de teatro, Nikki podia fingir que encarava sem a menor dificuldade as coisas que mais a apavoravam na vida real. Não sabia o que era mais forte, seu amor por Sabbath ou seu ódio por ele – tudo o que sabia era que não poderia ter sobrevivido sem a sua proteção. Sabbath era a sua armadura, sua couraça.
Com pouco mais de vinte anos, Nikki já era uma atriz tão maleável quanto um diretor voluntarioso como Sabbath podia desejar. No palco, mesmo num ensaio, mesmo de pé, no fundo, esperando as instruções do diretor, não se via o menor sinal do seu nervosismo, aquele jeito ansioso de mexer no anel, de enrolar o colar nos dedos, de batucar de leve na mesa com qualquer coisa que tivesse nas mãos. Ela ficava calma, atenta, incansável, paciente, lúcida, perspicaz. Tudo que Sabbath lhe pedia, por mais meticulosamente pedante ou insólito, ela se mostrava capaz de cumprir no mesmo instante, exatamente como ele havia imaginado. Nikki era paciente com os maus atores e inspirada ao lado dos bons. No trabalho, nunca se mostrava descortês com pessoa alguma, ao passo que, certa vez, em uma loja de departamentos, Sabbath a vira exibir uma superioridade tão esnobe diante de uma vendedora que ele teve vontade de lhe dar um tapa na cara.
- Quem você pensa que é? – perguntou Sabbath, tão logo se acharam na rua.
- Por que você vai me criticar, agora?
- Mas por que você tratou aquela moça como se fosse lixo?
- Ah, ela era só uma vagabundinha.
- E que porra você pensa que é? Seu pai era dono de um depósito de madeira, em Cleveland. O meu vendia ovos e manteiga num caminhão.
- Por que você vive falando do meu pai? Eu odiava o meu pai. Como você se atreve a falar do meu pai?
(O Teatro de Sabbath; tradução de Rubens Figueiredo)
(Ilustração: Emil Nolde – still life with dancers)
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