Textos, apenas textos, literários e poéticos, históricos e filosóficos, dramáticos e humorísticos; narrativos, descritivos ou dissertativos; de autores de todos os cantos do mundo...
sábado, 30 de janeiro de 2021
TRÊS TESOUROS PERDIDOS, de Machado de Assis
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
HIROSHIMA, de Manoel de Andrade
Hiroshima, Hiroshima
rosa rubra do oriente
fragrância de cerejeira
céu de anil no sol nascente.
Farol de luz no estuário
remanso dos vendavais
porto e escala dos juncos
roteiro dos samurais.
Verão de quarenta e cinco
no dia seis de agosto.
Clareando as águas do delta
a aurora beija o teu rosto.
Surge o Sol, se abre o dia
na luz e no movimento.
Tudo era paz e alegria
e nenhum pressentimento.
Teus colibris revoavam
no fresco azul dos teus ares
eram os casais, eram os ninhos
carícias, trino e cantares.
O arroz na água e na espiga
talo e seiva a palpitar
os rosais desabrochando
e os girassóis a girar.
Vidas…teu rosto eram vidas
nos campos e nos quintais
nos jardins, na verde relva
na algazarra dos pardais.
Folguedos, danças, cantigas
tua infância sem receios
teus escolares em flor
correndo pelos recreios.
As horas cruzavam o dia
os pais e os filhos na praça
o povo cruzava as ruas
cruzava o céu a desgraça.
De repente nos teus ares
a Águia do Norte, o Falcão
e num segundo, em teus lares,
gritos, fogo, turbilhão.
O beijo carbonizando
a luz devorando o dia
a carne viva queimando
na instantânea agonia.
No céu… um avião se afasta
na voz… a missão cumprida
no chão… a dor que se arrasta
e a cidade destruída.
Quem eras tu, Hiroshima
naquele dia distante…?
Eras sonhos e esperanças
incendiados num instante…
Quantos projetos de vida
mil sonhos acalentados
quantas mil juras de amor
nos lábios dos namorados.
Eras filhote no ninho
eras fruto no pomar
canteiro de brancas rosas
e toda a vida a cantar.
Eras mãe, eras criança
e no útero eras semente
ontem eras a esperança
e agora o braseiro ardente
Por que Hiroshima, por quê…?
o punhal de fogo, a explosão…?
Por que cem mil corações
ardendo sem compaixão…?
Tua inocência cremada
na fogueira do delírio.
Tua imagem retratada
na estampa do martírio.
Teu sangue vive na história
nas cicatrizes ardentes
nas lágrimas, na memória
na dor dos sobreviventes.
Quem previu tua agonia ?
Quem explodiu tua paz ?
Quem tatuou nos teus lábios
as palavras: nunca mais!?
Comandantes, comandados…
quem são os donos da guerra…?
e em que tribunal se julgam,
os genocídios da Terra…?
Por tanta dor, rogo a Deus
na minha prece tardia
que guarde no seu amor
os mártires daquele dia.
Hiroshima, flor da vida,
semente, ressurreição.
Fênix, face renascida.
PAZ, santuário, canção.
(Poemas para a liberdade, 2009)
(Ilustração: Kichisuke Yoshimura "Covered with blood, trudging silently away like ghosts from the city, the injured looked like creatures from another world." - Hiroshima Peace Memorial Museum.)
domingo, 24 de janeiro de 2021
METÁFORAS SOBRE ONDE CANTA O SABIÁ, de Everardo Norões
quinta-feira, 21 de janeiro de 2021
NO LA AMANTE / NENHUMA AMANTE, de Bernardo Ortíz de Montellano
No la amante, el amor. La singladura
de la noche que arrastra fuego frío
por las venas del sueño, poderío
de la encendida palidez oscura.
El amor, no la amante. El goce mío,
la imagen que desbasto. La onda pura
que invade entre las ruinas mi locura
de tallar en diamante lo sombrío.
No la amante, el amor que le dio la vida.
Lo que mi mano roza y estos ojos
desojan, lo que nace de la herida
soledad en la noche de mi sueño;
¡encarnación que vive entre despojos,
de la que soy - oh dulce sangre - dueño!
Tradução de Adriana Zapparoli:
Nenhuma amante, o amor. A singradura
da noite que arrasta fogo frio
pelas veias do sonho, poderio
da incendida palidez escura.
O amor, nenhuma amante. O meu gozo,
a imagem que devasto. A onda pura
que invade entre as ruínas de minha loucura
de entalhar em diamante o assombroso.
Nenhuma amante, o amor que lhe deu a vida.
O que minha mão roça e estes olhos
desolham o que nasce da ferida.
Sozinho na noite de meu sonho;
encarnação que vive entre despojos,
da que sou - oh doce sangue - dono!
segunda-feira, 18 de janeiro de 2021
FRAGMENTOS DE UM EVANGELHO APÓCRIFO, de Jorge Luis Borges
3. Desventurado o pobre de espírito, porque sob a terra será o que agora é na terra.
4. Desventurado aquele que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto.
5. Felizes os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz aquele que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz aquele que perdoa aos outros e aquele que perdoa a si mesmo.
9. Bem-aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.
10. Bem-aventurados os que não têm fome de justiça, porque sabem que nossa sorte, adversa ou piedosa, é obra do acaso, que é inescrutável.
11. Bem-aventurados os misericordiosos, porque sua felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prêmio.
12. Bem-aventurados os de coração puro, porque veem Deus.
13. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça que seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra, ninguém, em algum momento de sua vida, não o é.
15. Que a luz de uma lâmpada se acenda, ainda que nenhum homem a veja. Deus a verá.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, e também os que digo e os que os profetas disseram.
17. Aquele que matar pela causa da justiça, ou pela causa que ele acredita ser justa, não tem culpa.
18. Os atos dos homens não merecem nem o fogo nem os céus.
19. Não odeies teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum modo seu escravo. Teu ódio nunca será melhor que tua paz.
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que no final de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque todo juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem assombro e sem ira. A quem te ferir na face direita, podes oferecer a outra, sempre que não te mova o temor.
27. Não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer o bem a teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer o bem a teu inimigo é o melhor modo de satisfazer tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são justos ou o serão, e, se não for assim, não é teu o erro.
32. Deus é mais generoso que os homens e os medirá com outra medida.
33. Dá o santo aos cães, atira tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
34. Procura pelo prazer de procurar, não pelo de encontrar…
39. A porta é a que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore por seus frutos nem o homem por suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fosse pedra a areia…
47. Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.
48. Felizes os valentes, os que aceitam com ânimo similar a derrota ou as palmas.
49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgílio ou de Cristo, porque estas darão luz a seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.
(História Universal da Infâmia; tradução de Josely Vianna Baptista)
(Ilustração: Larry Rivers, History of Matzah)
sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
AUTOBIOGRAFIA, de Abdias do Nascimento
EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó
LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra... escudo... dólar... mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
(Ilustração: Adriana Varejão - filho bastardo II)
terça-feira, 12 de janeiro de 2021
POR QUE DEVEMOS PARAR DE FAZER APOLOGIA AO “NATUREBA”, de Alicia Kowaltowski
sábado, 9 de janeiro de 2021
ORGANON DAS PROFECIAS, de Alberto Augusto Miranda
1
Do século em seus espaços e tempos eu via
Para lá do eixo funcional dos limites
Animal de quinta dimensão mantido
Ao choro unido sem quebra, cabra
Indomável palavra em figura perpassando
Sua digna continuada emoção.
Subia a hortícola saia para me garantir
Fazedora do esquecido vento em cada pulo
2
Passeava a cegueira pelo meu sorriso de fé
Eu hostiava as sombras para as contentar de luz
E tinha tanta verdade em meus olhos esplendida
Que já nada temia do ameaçador espelho
Afinal meu consolo, meu feito ser.
Assim o levo nos meus bolsos e peitilhos
Como documento de firmeza sempre preparado
A saltar às conversas desditosas e às dúvidas
A mim própria saltando. Mais do que a prece
O espelho, o construído espelho, inquebrável
Salvação, a minha alegria do divino.
3
Procurava os perdidos de nome e uma traviata
Reconhecidos de mim nas águas dos extremos
Arca de Noé, eu seria aparição no desespero
Até no esquecido desespero de uma apática entrega
Ao tridentino dono, industrial da lavoura dos nervos.
Mais e melhor entrega eu lhes era dizer na boca
O amor que nenhum lupanário conhece à vontade
De Deus corpo no corpo do corpo sou e aos homens
De membro em riste apenas os cerco de imagens
As coxas, os seios, o sexo, deitados em mãos de nuvem
E chuva do futuro em cada abandonante do presente
O ósculo sagrado, o beijo da comunhão.
4
Não há verbo nacarado que consiga
O aroma dos meus braços voantes e abertos
À recolha da solidão e do desastre, os meninos
Todos para mim, explosão de afecto em minha ara.
Não há verbo, precisamos do silêncio para dizer
Precisamos de sentir para falar em cada dedo
Sulcando o meu ventre pelo escuro da origem
Viajando até ao luar dos olhos compreendidos
Sinais de todos os músculos e de outras forças
De que me faço e me fazem embarcação
Dos nautas que não desistiram do infinito.
5
Não faço todas estas coisas por Ele ou para Ele
Em soma vos quero dizer: Ele não é meu
Chulo! É por mim que tudo faço até na renúncia
De omitir à cidade e a mim mesma omitir
A minha sensualidade que julgo ser muita mas não quero
Saber, tenho medo, tenho medo, tenho muito medo
Da sua Revelação, não aguentaria a dupla fatalidade:
Ser agnóstica sensual ou vulgar ninfeta
Incapaz de ser única, tal a Vida seria.
Tenho medo, tenho medo, tenho muito medo
De a mim própria me nomear pássaro e não voar.
Ó mãe, ó meu resíduo: é a parte do pai que fala.
6
Por inteiro, sem parábolas me prontifico
A lavar-me de manchas para nos outros as lavar.
Um primeiro quente me acaricia o rosto
Na missão de ligar as almas ao Supremo
Ao inacreditável, ao impossível, a todos os signos
Prefixados de negação: sou-vos afirmativa,
De mim corre e escorre tudo o que é meu
Fonte vossa, nosso resultado, espiral
Penteando os cabelos dos acessos difíceis
Meu máximo gosto, minha máxima razão é
Minha máxima culpa, meu máximo ser
Clareando em perigo uma pequenina célula
Locatária do escuro e meu máximo triunfo.
7
Algures, em retiro, sentava-me no areal
E soprava na flauta de bisel edulcorantes sons
Como virtuosa hameline seduzindo
Pequenas multidões prontas de brancura atrás
De mim, oásis em regaço sem miragem
Hamsters abandonando o jogo da caça
Alegres do Sol, primevas claridades
Agora recuperadas na água baptismal
Todo o passado apagando por esta tigela de alumínio
Com que os faço nascer, lhes confiro um nome
E pelo livre arbítrio os torno diferentes
Em seus corpos inscrevendo
Uma oração comum no discurso da semelhança.
8
Talvez seja assustador o meu extra-vento
O tranquilo golpe da minha mirada
O desafio de desafiar sem combate expresso
Porque todos têm medo, muito medo
De abandonar o refúgio do seu caos
E saberem nas narinas o que lhes era sabido:
O lado mordente da natureza de cada um,
O lugar de árvore e fruto que era o seu
O céu que queriam e a que nunca chegaram
Por muito exercício e conquista em jejum
Seus metaquímicos transes pudessem ser
A palavra iniciática do profeta.
9
Eu de vento-rindo meu desmusculado segredo
Pura e transparente mão do milagre ou
Outro membro vos unte esses alimentos
Onde cozinhais em transmitida receita
Vosso mito por salgar
Que hoje aprendi no organon das profecias
Ser do profeta irredutível dever
Falar ao ouvido das setas
Em olhos reviravoltados.
(Semântica do Olhar, Lisboa, 1997)
(Ilustração: Henry Fuseli - Titania)
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
A CANÇÃO DE ROLANDO E SUA LEITURA HISTÓRICO-SOCIAL, de Ligia Vassalo
domingo, 3 de janeiro de 2021
LE CHÂTIMENT DES SARRASINS / A DERROTA DOS SARRACENOS, de Turoldus (autor suposto, não comprovado)