Mãos que moldaram em terracota a
beleza e a serenidade do Ifé.
Mãos que na cera polida encontram o
orgulho perdido do Benin.
Mãos que do negro madeiro extraíram
a chama das estatuetas olhos de vidro
e pintaram na porta das palhotas
ritmos sinuosos de vida plena:
plena de sol incendiando em espasmos
as estepes do sem-fim
e nas savanas acaricia e dá flores
às gramíneas da fome.
Mãos cheias e dadas às labaredas da
posse total da Terra,
mãos que a queimam e a rasgam na
sede de chuva
para que dela nasça o inhame
alargando os quadris das mulheres
adoçando os queixumes dos ventres
dilatados das crianças
o inhame e a matabala, a matabala e
o inhame.
Mãos negras e musicais (carinhos de
mulher parida) tirando da pauta da Terra
o oiro da bananeira e o vermelho sensual
do andim.
Mãos estrelas olhos nocturnos e
caminhantes no quente deserto.
Mãos correndo com o harmatan nuvens
de gafanhotos livres
criando nos rios da Guiné veredas
verdes de ansiedades.
Mãos que à beira-do-mar-deserto
abriram Kano à atracção dos camelos da ventura
e também Tombuctu e Sokoto, Sokoto e
Zária
e outras cidades ainda pasmadas de
solenes emires de mil e mais noites!
Mãos, mãos negras que em vós estou
pensando.
Mãos Zimbabwe ao largo do Indico das
pandas velas
Mãos Mali do sono dos historiadores
da civilização
Mãos Songhai episódio bolorento dos
Tombos
Mãos Ghana de escravos e oiro só
agora falados
Mãos Congo tingindo de sangue as
mãos limpas das virgens
Mãos Abissínias levantadas a Deus
nos altos planaltos:
Mãos de África, minha bela
adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!
Mãos, mãos negras que em vós estou
sentindo!
Mãos pretas e sábias que nem
inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos
mas que da terra, da árvore, da água
e da música das nuvens
beberam as palavras dos corás, dos
quissanges e das timbilas que o mesmo é
dizer palavras telegrafadas e
recebidas de coração em coração.
Mãos que da terra, da árvore, da
água e do coração tantã
criastes religião e arte, religião e
amor.
Mãos, mãos pretas que em vós estou chorando!
(Obra Poética de Francisco José
Tenreiro; poeta de São Tomé e Príncipe)
(Ilustração: Valentino Saudi - a man fetching water)
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