quarta-feira, 15 de novembro de 2023

DO CORAÇÃO E SUAS AMARRAS (CANTIGA D´AMOR DE REFRÃO), de João de Jesus Paes Loureiro

 

 




Esconde o oceano em uma lágrima,

acumula navalhas na memória,

em óvulo reparte o nascituro,

cala os apelos da noite, silencia

todas as falas orantes por amor,

apaga-me as lembranças, retira-me

a força de meus braços, sufoca-me

os ais! de gozo, atira-me no abismo,

acumula calvários em meus passos,

embaralha equinócios, desregula

os astros e estações, os hemisférios,

entorna o rio-mar no vão da lua,

emudece o cantar dos encantados,

desvirtua o perdão dos tribunais,

desnatura os semáforos, conflita

o trânsito, embaralha os trilhos,

seca os lábios de preces, degenera

a via-láctea, aparta a unidade

da Santíssima Trindade, cala

o Cântico dos Cânticos, desliga

candelabros no céu, desvaira vídeos,

refaz na aurora a noite, desintegra

o DNA do ser, desassossega

o sono, afasta a mão amiga

e desespera Deus, arranca o sol,

acumula em meu peito as tempestades,

apaga minha sombra, me rumina

em ódio de cruentas profecias,

com sílabas de sabres castra o verso,

retém o curso ávido da vida,

sustém o aracnídeo fio da morte,

faz do Demónio meu Anjo da Guarda,

relega-me vazio no ardil da sorte,

livra meu coração de suas amarras,

desata-me da linha do destino,

quebra os fonemas de mim neste poema,

se eu não morrer de amar de amor amado

se eu não morrer de amor por ti amada.



(Altar em chamas)



(Ilustração: Paul Bond - Manifestations of a lucid dream)

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