As meninas procuram os ninhos de pintassilgos de tentilhões e pintarroxos nos arbustos e nas árvores. Encontram canários verdes e os cobrem de beijos, segurando-os contra o peito. Correm cantando, saltam sobre as pedras. São cem mil, voltando às suas casas para abrigar os pássaros. Na pressa, elas os seguram com muita força. Correram. Abaixaram-se para recolher as pedrinhas que jogaram longe, por cima das sebes. Não prestaram atenção aos gorjeios. Subiram diretamente para os quartos. Tiraram os pássaros de suas roupas, os encontraram sem vida e com a cabeça caída. Todas, então, tentaram reanimá-los, pressionando-os contra a boca, deixando cair sobre eles a respiração quente, levantando a cabeça mole, tocando o bico com os dedos. Eles permaneceram inertes. Então as cem mil meninas choram a morte dos canários verdes nos cem mil quartos das cem mil casas.
FLORA ZITA SAVÉ CORNÉLIA
DRAUPADI JULIANA ETMEL
CLOÉ DESDÊMONA RAFAELA ÍRIS VERA ARSÍNOE LISE
BRENDA ORFISA HERODIAS
BERENICE SIGRID AUDOVERA
Seja qual for a hora fixada para designar o início da ação, é preciso se apressar para que acabe antes do pôr do sol. Pode-se ver a parte inferior das escadas posicionada no chão, o topo escondido no amontoado de folhas e frutas. As cestas ao pé das árvores por vezes transbordam de cerejas: belles de Choisy cerejas inglesas ginjas marascas cerejas de Montmorency bigaudelles cerejas selvagens. São pretas brancas vermelhas translúcidas. Ao redor das cestas, maribondos e zangões se movimentam freneticamente. Elas sobem nas árvores, descem com os braços carregados de frutas. Algumas têm cestas presas na cintura. Outras estão imóveis nos degraus em diferentes alturas. Há também aquelas que se movem entre os galhos. Nós as vemos saltar para o chão e soltar a carga. Os raios oblíquos do sol incidem sobre as folhas e as fazem brilhar. O céu está cor de laranja.
Elas dizem que expõem seu sexo para que o sol se reflita nele como em um espelho. Dizem que retêm seu brilho. Dizem que os pelos pubianos são como uma teia de aranha que captura os raios. Nós as vemos correr a passos largos. Estão totalmente iluminadas no centro, a partir do púbis do clitóris encapuzado das ninfas duplas e dobradas. O clarão que emitem quando se imobilizam e viram a face faz com que desviem o olhar por não suportarem a visão.
Quando a lua está cheia, o tambor bate na praça principal. Os cavaletes são erguidos. Há copos de todas as cores e garrafas contendo líquidos coloridos. Alguns são verdes vermelhos azuis e evaporam se não ingeridos tão logo seja retirada a rolha que os encapsula. Cada uma pode beber até cair morta de bêbada ou até perder o controle de si mesma. O aroma das drogas que deixamos escapar das garrafas paira na praça, nauseante doce. Todas bebem em silêncio, em pé ou deitadas nos tapetes desenrolados ao longo da rua. Então elas fazem vir as meninas. Nós as vemos meio adormecidas desnorteadas hesitantes. Elas são convidadas a usar seu poder sobre os corpos estendidos, chorosos. As crianças vão de uma para outra tentando despertá-las, usando pedras dos baldes d’água, gritando com toda a força, acocorando-se para alcançar os ouvidos das mulheres adormecidas.
Marthe Vivonne e Valérie Céru fazem um relatório. Dizem que o rio se eleva entre as bordas. Os campos de flores às margens estão tomados por água. Corolas arrancadas, de cabeça para baixo, giram na correnteza, reviram-se. Há um odor de putrefação ao longo do rio. Ouve-se um rugido, como de uma eclusa rompida. Barcos virados passam à deriva. Árvores inteiras são levadas, seus galhos carregados de frutas arrastados pela água. Marthe Vivonne e Valérie Céru dizem não ter visto cadáveres de animais. Relatam que, por muito tempo, no caminho de volta, ouviram o ruído do rio, os choques entre seu curso e o leito.
Os passeios com as glenúrias em suas coleiras não são fáceis. Seus corpos longos e filiformes são sustentados por milhares de pés. Constantemente, elas tentam se mudar para um outro lugar, diferente de onde estão. Seus inúmeros olhos estão dispostos em torno de um orifício gigante que lhes serve de boca, ao mesmo tempo em que ocupa o lugar da cabeça. Uma membrana macia e expansível, capaz de se contrair e relaxar, a preenche. Cada um desses movimentos produz um som diferente. Compara-se o concerto das glenúrias com os pífanos os tambores o coaxo dos sapos o miado dos gatos no cio os sons agudos de uma flauta. Os passeios com as glenúrias são interrompidos a todo momento. O motivo é que elas se enfiam, sistematicamente, nas fendas que permitem passagem a seu corpo, as grades dos jardins públicos, as grades dos esgotos, por exemplo. Elas entram e recuam, o volume da cabeça as faz parar em um dado momento, encurraladas, e gritam de maneira horrenda. Então é preciso libertá-las.
Elas dizem que, no feminário, a glande e o corpo do clitóris são descritos como encapuzados. Está escrito que o prepúcio na base da glande pode se mover ao longo do órgão, provocando uma sensação viva de prazer. Dizem que o clitóris é um órgão erétil. Está escrito que ele se bifurca para a direita e para a esquerda, que ele se inclina, prolongando-se em dois corpos eréteis apoiados no osso pubiano. Esses dois corpos não são visíveis. O conjunto forma uma zona erógena intensa, que irradia todo o sexo, fazendo dele um órgão ávido por prazer. Elas o comparam ao mercúrio, também chamado de prata viva devido à prontidão para se espalhar, se propagar e mudar de forma.
AIMÉE POMME BARBE
BENEDITA SUZANA
CASSANDRA OSMONDE
GENE HERMÍNIA KIKA
AURÉLIA EVANGELINA
SIMONE MAXIMILIANA
Danièle Nervi, escavando fundações, desenterrou um quadro no qual está representada uma moça. Ela é toda reta e branca, deitada de lado. Está nua. Mal se pode ver os seios em seu torso. Uma perna, dobrada sobre a outra, deixa a coxa levantada, escondendo assim o púbis e a vulva. Seus cabelos longos dissimulam parte dos ombros. Ela sorri. Os olhos estão fechados. Está meio apoiada em um cotovelo. O outro braço forma uma alça sobre a cabeça, segura na mão um cacho de uvas pretas perto da boca. Então elas riem. Dizem que Danièle Nervi ainda não desenterrou a faca sem lâmina desprovida de cabo.
(As Guerrilheiras; tradução de Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo)
(Ilustração: Christian Schad)
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