Someone is speaking a lost language.
It is the music of Villa-Lobos.
I try to remember: where was I
born? And from what continent
untimely torn? I might have been
a priestess among the caymans
guarding the eye-jewel of the
crocodile god. I might have sailed
orinocos of diamonds, seas of coconuts,
leased the equator for life and learned
my ancestral language.
But I have only some old sleeves of rain
in a trunk with spiders
to remember my ancestors by.
They have left me
nothing, and I have forgotten
that island of my birth
where the sun in his suit of mirrors
was seen once only with my vast fetal eye.
But in the music of Villa-Lobos
a god with a tower of green faces
comes striding across cities
of permafrost, and I am summoned
once again to the jaguar gardens
guarded by waterfalls
where the hummingbird people are at play
far from the cold auroras of the north.
Beyond modernity, we are warned
by placards in two languages that say
the same thing differently. In the yellow
wood where two roads diverge, we choose
both, not from arrogance but from
indecisiveness, which, like riding
two horses at one time, requires long
legs, strong thighs, and careless good
nature. The world flicks by, each leaf
magnified, as we sample this new bar
soap, that breakfast sandwich. Placards in
two languages praise soft drinks and party
politics. The world flicks by and bites
of speech elude their diagrams to hover
in the yellow wood. It is late and soon
the world will be different.
Tradução de Margarida Vale de Gato:
Alguém fala uma língua perdida.
É a música de Villa-Lobos.
Procuro lembrar-me: onde foi
que nasci? E de que continente
fora de tempo me dividi? Podia
ter sido vestal entre caimões
velando a gema do olho do deus
crocodilo, velejar talvez
por orinocos de diamantes, mares
de cocos, podia assumir toda a vida
o trespasse do equador para aprender
a minha língua ancestral.
Mas tenho só algumas mangas de chuva
num velho baú de aranhas
para lembrar os meus antepassados.
Não me deixaram
nada, e esqueci
essa ilha onde nasci
onde vi uma vez só
com meu vasto olho de feto
o sol no seu fato de espelhos.
Mas na música de Villa-Lobos
um deus com uma torre de verdes frontes
cruza a largos passos cidades
de piso gelado, e mais uma vez
convocam-me ao jardim dos jaguares
guardado pelas cascatas
onde brinca o povo dos colibris
longe das frias auroras do norte.
Para lá da modernidade, avisam-nos
placards em duas línguas a dizer
o mesmo de maneira diferente. No bosque
amarelado dividem-se duas estradas. Escolhemos
ambas, e não é por arrogância mas
por indecisão, coisa que, como montar
simultaneamente dois cavalos, requer pernas
compridas, coxas fortes, falta de complexos, boa
têmpera, o mundo passa e cintila, cada folha
ampliada, enquanto tomamos o novo elixir,
em loção, a sandes do pequeno-almoço. Placards
em duas línguas louvam gasosas, campanhas
políticas. O mundo passa e cintila e arranha
frases que driblam os diagramas, para pairarem
no bosque amarelado. É tarde e cedo
o mundo será diferente.
Tradução de Wagner Mourão Brasil:
Alguém fala uma língua perdida.
É a música de Villa-Lobos.
Tento lembrar: onde foi que
nasci? E em que continente
precocemente estraçalhado? Devo ter sido
uma sacerdotisa entre os caimães
velando a jóia que é o olho do
deus crocodilo. Devo ter navegado
por orinocos de diamantes, mares de cocos,
aluguei para sempre o equador e aprendi
minha língua ancestral.
Mas só tenho umas velhas capas de chuva
num baú cheio de aranhas
para lembrar meus ancestrais.
Eles não me deixaram
nada, e eu me esqueci
que aquela é a terra de meu nascimento
onde o sol em seu terno de espelhos
avistei por uma só vez com meu olho de feto.
Mas na música de Villa-Lobos
um deus com uma torre de verdes fachadas
com pressa avança pelas cidades
de sobsolo congelado, e sou de novo
convocada aos jardins do jaguar
vigiada por quedas d’água
onde as gentes dos beija-flores se divertem
longe das auroras frias do norte.
Para além da modernidade, somos avisados
em duas línguas pelos cartazes que dizem
a mesma coisa de modo diferente. No bosque
amarelo onde dois caminhos divergem, escolhemos
a ambos, não por arrogância mas por
indecisão, o que, como montar
dois cavalos num só tempo, exige
longas pernas, coxas fortes, e descuidada boa
disposição. O mundo dá uma espiada, cada folha
ampliada, enquanto provamos essa nova sopa
de bar, o sanduíche do desjejum. Cartazes
em duas línguas elogiam bebidas e políticas
de partido. O mundo dá uma espiada e pedaços
de discurso fogem de seus gráficos para perambular
pelo bosque amarelo. É tarde mas logo
o mundo será diferente.
(Ilustração: Vicente Júnior - Vila Lobos)
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