Estamos no anno 2.000 da éra christã. Começamos a nossa exploração, fazendo uma visita á casa do nosso futuro hospede e guia, através do novo mundo. A primeira impressão não nos dá a idéa de intimidade, que deviamos, encontrar numa casa de habitação. Ella está constituida de grossas pranchas de crystal de côr opaca e dividida interiormente com partes moveis, de sorte que o tamanho das peças póde ser mudado á vontade. Essas divisões estão feitas á prova de ruido e, nem era preciso dizer de incendio. Ao caminhar-se, não se ouvem os passos. Qualquer objecto fragil, que cahia no sólo pula sem quebrar. Almofadas, colchões, esses ninhos de microbios, foram abandonados há muito tempo.
Seguimos o nosso guia pelo jardim, se assim se póde chamar uma enorme cupula de vidro sob a qual crescem as mais variadas especies de arvores e flôres dos tropicos. Além, a terra está coberta, de neve, aqui, os convidados tomam refrescos, á sombra de arvores floridas. A atmosphera suave é artificial: lava-se, humedece-se, oxigena-se, aquece-se no inverno e esfria-se no verão, tudo por meio de engenhosas machinas "climatericas". As portas se abrem por si mesmo, quando nos vêem com seu invisivel "olho" electrico. Nos quartos de banho não há banheiras nem duchas. Mostram-nos o mecanismo de um apparelho, que se poderia chamar o "lançador de nevoa", que projecta 90 por cento de ar comprimido e 10 por cento de agua tepida atomízada e reduzida á impalpavel nevoa. Esse agradável processo de tomar banho, elimina a necessidade de usar sabão. A cozinha é todo um laboratório. Ha relogios electricos que determinam o grau exacto da madurez das frutas e legumes; instrumentos que servem para a analyse instantanea do leite, do azeite, do vinho, etc. Mais adiante estão machinas de moer e picar vegetaes. O assado vae se fazendo de vagar, em frente de um apparelho electrico, cujo calor diminue á proporção que vae ficando prompto. E, claro está que todos os utensilios, roupas e vasilhames se lavam automaticamente e electricamente.
Entre as coisas mais surpreendentes dessa casa maravilhosa, está a "camara de televisão". Numa das paredes vasta e polida se projectam imagens animadas de vulto e côr, que são teledifundidas pelas innumeras estações diffusoras de onda curta, no mundo inteiro. Não há motor que faça ruido em nosso auto, que desliza suavemente a 150 milhas horarias, com estabilidade perfeita. Provem a energia radioelectricamente de varias estações distantes, movidas a energia solar. De noite, as estradas ficam luminosas mercê de uma substancia chimica que conserva os raios do sol. Os carros tambem são luminosos, e não necessitam de pharóes.
Os autogyros volvem de seus vôos e se encaminham aos hangares pela estrada, depois de haver dobrado azas e helices. De subito, uma colossal torrente de luz brota da terra até o aeroporto central. Momentos depois é ouvido um agudo sibilar de foguetes de motores lançados no espaço. É o expresso aereo Nova York-Melbourne, que voará dez horas na estratosphera, tanto os pilotos como os passageiros irão para a cama, pois a direcção é radio-automatica.
As crias do gado se supprimiram. A carne se cultiva em laboratorios. É um liquido salgado e nutritivo, que faz as vezes de sangue. Os tecidos crescem rapidamente e dão uma consideravel producção de carne em circunstancias humanitarias e economicas ao mesmo tempo. Os cereaes crescem a toda velocidade, encerrados em caixas, illuminadas a raios ultravioleta. São elles alimentos para os epicuristas, pois a maior parte dos homens se reduziram a producto menos custosos como a cellulosa das arvores tropicaes, com a qual os chimicos preparam uma infinidade de succedaneos do pão, assucar e legumes.
As epidemias e doenças causadas pelos microbios são coisas de uma idade passada, graças ao uso universal da bacterographia. Os esforços da sciencia se dirigem agora para prevenir os males. No campo da cirurgia, os enxertos não só de glandulas, senão de toda classe de membros chegou a ser praticamente corrente. Póde comprar-se um novo estomago ou pulmão e mudar-se o que não funccionar a contento...
(*) Original do "Gringoire" de Paris, publicado na Folha da Noite, terça-feira, 12 de dezembro de 1933; mantida a grafia original)
(Ilustração: Yves Tanguy - January 5, 1900 – January 15, 1955; French surrealist painter)
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