domingo, 1 de julho de 2018

ATRAÇÃO FATAL, de Evan Hunter






Empurrava a rapariga, Cora, à sua frente e esta tropeçava no capim que lhe batia nos joelhos, tinha a saia repuxada para trás sobre as nádegas. Ele sentia a pressão do Colt 38, contra a barriga. Caminhou até ao local onde ela se encontrava agachada no chão. 

- Levante-se – disse-lhe. 

- Orry, que vai fazer? Porque... 

- Levante-se e ande. Preciso qualquer coisa do seu pequeno. 

Cora puxou a saia para baixo. Orry olhou-a enquanto ela se levantava, virou-se, acanhada, quando o seu olhar se tornou demasiado perscrutador. 

- Que quer do Bob? – perguntou. 

- Agora é Bob, não é? – disse comprimindo os lábios. – Antes de ir e tornar-se um herói, chamávamos-lhe apenas Robby. Agora é Bob. 

Fechou os punhos com raiva e quando ela hesitou, disse: 

- Continue a caminhar, Cora. 

A rapariga tropeçava à sua frente, o capim alto chicoteava-lhe as pernas, rasgava-lhe a saia fina. Ele ficou parado atrás dela, um pouco distante, observando a curva das costas sob o vestido. 

- Que vai fazer? – perguntou Cora. 

- Vou meter este 38 no rosto do seu grande major e tirar-lhe aquela medalha do peito. Então enterro-lhe uma bala onde estava a medalha. É isto que vou fazer, Cora. 

- Orry, não sabe o que está a dizer. Você... 

- Sei perfeitamente o que estou a dizer. Desde que saltou daquele comboio como se fosse uma pessoa muito importante, estive a planear isto. Ele e aquela medalha pendurada no peito. Vou agarrar aquela medalha, Cora, vou enfiar-lha pela garganta e dar-lhe um tiro antes que tenha tempo de cuspi-la. 

- Não! – gritou Cora e começou a correr, antes porém de ter dado três passos, segurou-a pelo braço. Obrigou-a a voltar-se e apertou-a contra si. Cora voltou a cabeça, tentando fugir aos seus lábios, todavia ele colou a boca na sua com esmagadora intensidade. Quando desviou o rosto, disse-lhe: 

- Veremos como será quando for eu a usar aquela medalha. Nessa altura veremos como é, Cora. 

- Orry, - disse Cora com voz sumida – Orry, por favor, esqueça tudo isso. Farei o que quiser. Eu... eu serei sua namorada. Qualquer coisa... contanto que deixe o Bob em paz. Se... se esquecer isso. Farei... tudo o que disser. 

Orry deu uma gargalhada breve, desprovida de humor. 

- Já está a mudar de ideias, não? Bem, fará realmente o que eu disser. No entanto, vou tirar-lhe aquela medalha do peito e meter-lhe algumas balas. Juro-lhe. 

- Orry... 

- Cale a boca – gritou, dando-lhe uma violenta bofetada na boca, tão violenta que ela quase caiu. 

- Agora caminhe até aquela cabana. Não quero perder o dia todo nisto. 

Foram andando vagarosamente, o capim alto, ocultava-os. A cabana estava situada à beira da clareira e o som da voz de um homem cantando vinha da janela aberta. 

- O major está a cantar – murmurou Orry – mas não cantará por muito tempo. É só até o ver. 

- Por favor, Orry, não poderemos esquecer isto? Ele nunca lhe fez mal. Por que lhe quer mal? Porque tem... 

- Não lhe vou fazer mal nenhum – corrigiu. – Vou matá-lo. 

A canção continuava enquanto eles se aproximavam da cabana. Quando atingiu o crescendo, Orry gritou: 

- Ei, Robby, ouça! 

A canção foi bruscamente interrompida. Houve um repentino silêncio. Orry gritou: 

- Robby, está a ouvir-me? 

Uma voz clara respondeu: 

- Estou a ouvir. 

- Então, escute, vim procurá-lo. Cora está aqui comigo, portanto não se admire. Ouviu? 

Novo silêncio. 

- Ouviu-me, Robby? 

- Que quer, Orry? 

- Não se preocupe com o que eu quero. Não tente fazer nada. Tenho uma arma comigo, e não tenho medo de usá-la no rosto de Cora. Não quer que ela fique desfeita, não é verdade? 

- Bob – gritou Cora. – Tenha cuidado! Ele está louco, Bob, ele... 

Orry puxou o braço dela para trás e com a outra mão tirou o 38 do cinto. 

- Estou a aproximar-me Robby. Se tem um revólver é melhor esquecê-lo, porque Cora está à minha frente. 

Da cabana não veio som algum. Orry empurrou Cora a sua frente, os dedos agarrando fortemente o pulso do braço torcido. Manteve a arma afastada do corpo dela, pronta para atirar e curvou-se por trás de Cora, de maneira a tornar-se o menos visível possível a qualquer pessoa que se encontrasse na cabana. 

- Ei, major – gritou – está morto ou coisa que o valha? Estou aqui para lhe dar uma lição. 

A cabana continuou imersa em silêncio. Continuaram a andar através do capim e alcançaram finalmente a clareira. 

- Pare um instante – ordenou Orry, examinando a cabana com uma sobrancelha erguida. – Creio que ele está a tremer, metido num canto. Vamos. 

Ocultou-se de novo atrás de Cora, somente os olhos e a testa surgiam acima do ombro da rapariga. Avançou cuidadosamente, os olhos fixos na janela escura que estava à sua frente. 

- Ei, major! – gritou. – Olhe bem, major, porque será a última vez que... 

Os tiros ecoaram numa sucessão rápida, foram dois, tão juntos, que pareciam ter sido apenas um. Orry apertou o dedo no gatilho e a bala levantou pedacitos de terra. Porém as balas anteriores tinham-no atingido na fronte e ele caiu para trás, morto antes de o eco dos tiros se haver desvanecido no espaço. 

Cora gritou e ficou imóvel, olhando para o homem morto. Os orifícios das balas formavam dois pontos pretos entre os olhos e podiam ser cobertos por uma moeda de cinco centavos. 

- Cora! 

Bob saiu a correr da cabana segurando a espingarda que ainda fumegava. Estava de uniforme. Ela correu e lançou-se-lhe nos braços, soluçando, o rosto comprimido contra o peito dele, que ficou levemente marcado pela cruz. 

- Ele estava louco, louco. Ia matá-lo. Disse que... 

- Mas por quê? Por sua causa? Era isso, querida? 

Cora tentou dominar os soluços. 

- Sim, sim, isso e a medalha. Queria a sua medalha. Ele... 

Bob afastou-se meigamente. 

- Isto? - perguntou incrédulo, e os dedos tocaram na cruz que tinha um olho de boi no centro. 

- Que queria ele fazer com uma pequena medalha de atirador? 




(26 grandes mestres da literatura policial; org. e trad. de RossPynn) 



(Ilustração: Bernard Buffet (1928-1999) - la mort)







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