quinta-feira, 28 de junho de 2018

VOZES MULHERES, de Conceição Evaristo








A voz da minha bisavó

Ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida. A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.



A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.

A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.



A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

o eco da vida-liberdade.



(Poemas da recordação e outros movimentos)

(Ilustração: 
Makiwa Mutomba - Zimbawe)



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