segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

POEMA PORRADA, de Roberto Piva







Eu estou farto de muita coisa

não me transformarei em subúrbio

não serei uma válvula sonora

não serei paz

eu quero a destruição de tudo que é frágil:

cristãos fábricas palácios

juízes patrões e operários

uma noite destruída cobre os dois sexos

minha alma sapateia feito louca

um tiro de máuser atravessa o tímpano de

duas centopeias

o universo é cuspido pelo cu sangrento

de um Deus-Cadela

as vísceras se comovem

eu preciso dissipar o encanto do meu velho

esqueleto

eu preciso esquecer que existo

mariposas perfuram o céu de cimento

eu me entrincheiro no Arco-Íris

Ah voltar de novo à janela

perder o olhar nos telhados como

se fossem o Universo

o girassol de Oscar Wilde

entardece sobre os tetos

eu preciso partir um dia para muito longe

o mundo exterior tem pressa demais para mim

São Paulo e a Rússia não podem parar

quando eu ia ao colégio Deus tapava os ouvidos para mim?

a morte olha-me da parede pelos olhos apodrecidos

de Modigliani

eu gostaria de incendiar os pentelhos de Modigliani

minha alma louca aponta para a Lua

vi os professores e seus cálculos discretos ocupando

o mundo do espírito

vi criancinhas vomitando nos radiadores

vi canetas dementes hortas tampas de privada

abro os olhos as nuvens tornam-se mais duras

trago o mundo na orelha como um brinco imenso

a loucura é um espelho na manhã de pássaros sem Fôlego.



(Paranoia)




(Ilustração:  Bernard Buffet (1928-1999), les oiseaux le rapace)


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