“Será que alguém aqui”, começou o presidente Lentz, “sabe por acaso o que aconteceu na Coreia no dia em que todos vocês machões decidiram aviltar e enxovalhar o nome de uma ilustre instituição de ensino superior cujas origens remontam à Igreja Batista? Naquele dia, os negociadores das Nações Unidas e do lado comunista firmaram um acordo provisório com respeito a uma linha de trégua na frente oriental daquele país em guerra. Suponho que vocês saibam o que significa “provisório”. Significa que um combate tão bárbaro quanto os temos visto na Coreia – tão bárbaro quanto qualquer força norte-americana enfrentou em qualquer guerra em qualquer momento de nossa história –, esse mesmo tipo de combate pode eclodir a qualquer hora do dia ou da noite e roubar a vida de muitos outros milhares de jovens norte-americanos. Será que algum de vocês sabe o que ocorreu na Coreia algumas semanas atrás, entre o sábado 13 de outubro e a sexta-feira 19 de outubro? Sei que vocês sabem o que aconteceu aqui nesses dias. No sábado, dia 13, nosso time de futebol deu uma surra em nosso rival tradicional, a Bowling Green, por 41 a 14. No sábado seguinte, dia 20, ganhamos de surpresa da universidade onde me formei, a West Virginia, numa partida emocionante, que nos levou, apesar de grandes azarões, a uma vitória de 21 a 20. Que partida jogou a Winesburg! Mas vocês sabem o que aconteceu na Coreia naquela mesma semana? A Primeira Divisão de Cavalaria, a Terceira Divisão de Infantaria e a minha velha unidade na Primeira Guerra, a Vigésima Quinta Divisão de Infantaria, juntamente com nossos aliados britânicos e da República da Coreia, fizeram um pequeno avanço na área Old Baldy. Um pequeno avanço que teve o custo de quatro mil baixas. Quatro mil jovens como vocês, mortos, mutilados e feridos entre a hora em que derrotamos a Bowling Green e a hora em que surpreendemos a UWV. Vocês têm alguma ideia de quão afortunados, quão privilegiados e quão sortudos vocês são por estarem aqui vendo jogos de futebol aos sábados e não lá, sendo alvo de tiros nos sábados, e depois nas segundas, nas terças, nas quartas, nas quintas, nas sextas e até nos domingos? Quando comparados os sacrifícios que estão sendo feitos nesta guerra brutal por jovens norte-americanos da idade de vocês em resposta à agressão das forças comunistas norte-coreanas e chinesas – quando comparado a isso, vocês têm ideia de quão juvenil, estúpido e idiota o comportamento de vocês parece aos cidadãos de Winesburg, aos cidadãos de Ohio e aos cidadãos dos Estados Unidos da América, que tomaram conhecimento através dos jornais e da televisão dos eventos vergonhosos da noite de sexta-feira? Digam-me, vocês pensam que estavam sendo guerreiros heroicos ao invadir os dormitórios de nossas alunas e quase as matarem de medo? Pensam que estavam sendo guerreiros heroicos ao violar a privacidade dos quartos delas e meterem as mãos em seus objetos pessoais? Pensam que estavam sendo guerreiros heroicos ao tomar e destruir bens que não eram seus? E aqueles de vocês que os incentivaram, que não levantaram um dedo para impedi-los, que exultaram com a coragem máscula deles, o que dizer da coragem máscula de vocês? Como ele vai lhes servir quando mil soldados chineses os atacarem em suas trincheiras aos berros, em enxames, se essas negociações na Coreia fracassarem? Como eles o farão, posso lhes garantir, com as cornetas soando e as baionetas desembainhadas! O que devo fazer com meninos como vocês? Onde estão os adultos entre vocês? Será que nem um único de vocês pensou em defender as moradoras do Dowland, do Koons e do Fleming? Eu teria esperado que cem de vocês, duzentos de vocês, trezentos de vocês abafassem aquela insurreição infantil! Por que não o fizeram? Respondam-me! Onde está a coragem de vocês? Onde está a honra de vocês? Nem um só de vocês exibiu uma pitada de honra! Nem um único! Vou lhes dizer uma coisa agora que nunca pensei que fosse ter de dizer: eu hoje tenho vergonha de ser presidente desta universidade. Estou envergonhado, estou enojado, estou enraivecido. Não quero que paire a menor dúvida sobre a minha raiva. E não vou parar de sentir raiva por muito tempo, isso eu posso lhes assegurar. Fui informado que quarenta e oito de nossas alunas – o que significa quase dez por cento do total –, quarenta e oito já deixaram o campus na companhia de seus pais, profundamente chocados e abalados, e não sei ainda se elas voltarão. O que depreendo das chamadas telefônicas que venho recebendo de outras famílias preocupadas – e os telefones em meu escritório e em minha casa não pararam de tocar desde a meia-noite de sexta-feira – é que um número muito maior de nossas estudantes está considerando a hipótese de ficar fora da universidade durante o resto do ano ou se transferir definitivamente da Winesburg. Não posso dizer que as culpo por isso. Não posso dizer que esperaria que uma filha minha permanecesse leal a uma instituição de ensino onde foi exposta não apenas a indignidades, humilhação e medo, mas a uma ameaça de dano físico por um exército de vagabundos que aparentemente acreditavam estar se emancipando. Porque isso é tudo o que vocês são a meu juízo, tanto aqueles que participaram como os que nada fizeram para contê-lo – um bando ingrato, irresponsável e infantil de vagabundo vis e covardes. Uma turba de crianças desobedientes. Bebezinhos de fraldas descontrolados. Ah, e uma última coisa. Será que algum de vocês sabe por acaso quantas bombas atômicas os soviéticos explodiram agora no ano de 1951? A resposta é duas. Isso perfaz um total de três bombas atômicas testadas com êxito por nossos inimigos comunistas na União Soviética desde que descobriram o segredo de produzir uma explosão atômica. Nós, como nação, estamos confrontados com a distinta possibilidade de uma impensável guerra atômica com a União Soviética, enquanto os machões da Universidade Winesburg conduzem bravos ataques contra as gavetas de suas jovens e inocentes colegas. Mais além de seus domínios há um mundo pegando fogo e vocês se aquecem com roupas de baixo. Mais além de suas fraternidades a História se desenrola a cada dia – guerras, bombardeios, carnificinas em massa, e vocês desconhecem tudo isso. Bem, não desconhecerão por muito tempo! Vocês podem ser tão ignorantes quanto queiram, poderiam até fazer demonstrações, como fizeram aqui na noite de sexta-feira, de um desejo apaixonado de serem ignorantes, mas a História vai apanhá-los no final. Porque a História não é o pano de fundo – a História é o palco! E vocês estão no palco! Ah, como é asquerosa a ignorância que vocês têm de seu próprio tempo! E o mais repugnante de tudo é que vocês estão aqui justamente para superar essa ignorância. Afinal de contas, a que tipo de tempo histórico vocês pensam que pertencem? Vocês podem responder? Vocês sabem responder? Tenho uma longa trajetória profissional na guerra da política, um republicano centrista lutando contra fanáticos da esquerda e fanáticos da direita. Mas para mim, na noite de hoje, esses fanáticos nada são quando comparados a vocês na sua busca bestial de uma diversão insensata. “Vamos endoidar, vamos nos divertir! Que tal o canibalismo na próxima?!” Bem, não aqui, senhores, não será dentro destas paredes cobertas de hera que as delícias do mau comportamento intencional passarão despercebidas por aqueles que têm a responsabilidade, perante esta instituição, de sustentar os ideais e os valores que vocês conspurcaram. Não se pode permitir que isso ocorra, e não se permitirá que ocorra! A conduta humana pode ser regulada, e será regulada! A insurreição acabou. A rebelião foi dominada. A partir desta noite, tudo e todos serão repostos em seus devidos lugares e a ordem restaurada na Winesburg. E a decência restabelecida. E agora vocês machões desinibidos podem se levantar e sumir da minha frente. E, se algum de vocês decidir que quer sair de vez, se algum de vocês decidir que o código de conduta humana e as regras da contenção civilizada que esta administração pretende aplicar com rigor a fim de manter a Winesburg íntegra não servem para machões como vocês – vou achar isso ótimo! Tratem de ir embora! Saiam! As ordens foram dadas! Empacotem sua insolência rebelde e deem o fora de Winesburg esta noite!”
(Indignação, tradução de Jorio Dauster)
(Ilustração: Jean-Baptiste Greuze - malediction paternelle)
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