Grande parte dos alemães achou que suas cidades arrasadas, suas indústrias destroçadas e seus milhões de mortos pagavam pelos crimes do nazismo. Os jovens sentiram um misto de aturdimento e de revolta pelo fato de os mais velhos, em quem confiavam, os colocarem naquela situação. "Eu não sabia o que devia sentir", disse Helmut Lott, um adolescente em 1945. "Determinado mundo - um mundo em que eu crescera e em que acreditara - foi destruído." Muitos alemães entraram em conluio para que antigos nazistas se mesclassem, impunes, à sociedade pós-guerra. "Hoje, ninguém acredita num alemão decente", disse com amargura Hildergard Trutz, mulher de um antigo oficial das SS, em 1947, "mas qualquer coisa que aqueles judeus imundos dizem se torna o evangelho." A América do Sul tornou-se um destino popular para os intransigentes e para muitos dos mais odiosos criminosos de guerra. Alguns chegaram a receber a proteção da Igreja Católica durante a viagem pela Europa.
Apenas uma minúscula fração dos culpados por crimes de guerra foi processada, em parte porque os vitoriosos não tinham estômago para a escala de execuções, na casa de centenas de milhares, que seriam necessárias se fosse aplicada rigorosa justiça contra cada assassino do Eixo. Menos de mil execuções punitivas ocorreram nas zonas de ocupação ocidental. Cerca de 920 japoneses foram executados, mais de trezentos pelos holandeses, por crimes cometidos nas Índias Orientais. Os Aliados preferiram tratar a Áustria como vítima, e não como parceira na culpa alemã na guerra, por isso não houve ali nenhum processo sério de "desnazificação". O antigo oficial da Wehrmacht Kurt Waldheim foi um dos muitos austríacos cúmplices de crimes de guerra - em seu caso, o assassinato de prisioneiros britânicos nos Bálcãs. Com pleno conhecimento desses fatos, seus compatriotas o elegeram chanceler.
Muitos alemães condenados por assassinatos em massa cumpriram penas de prisão por apenas alguns anos ou livraram-se pagando uma multa de cinquenta Reichmarks, valor insignificante. Os alemães e os japoneses não estavam totalmente errados ao considerar os julgamentos internacionais por crimes de guerra de 1945 e 1946 como "a justiça dos vitoriosos". Alguns britânicos e americanos, e muitos russos, eram culpados de crimes contra a lei internacional, notavelmente a matança de prisioneiros, mas poucos enfrentaram sequer a corte marcial. Pertencer ao lado vitorioso era suficiente para garantir anistia; os crimes de guerra cometidos pelos Aliados raramente foram reconhecidos. O comandante britânico de submarino "Gamp" Miers, por exemplo, que em 1941 afligiu até mesmo seus próprios tripulantes ao insistir que os soldados alemães que tentavam sobreviver no Mediterrâneo depois do afundamento de seus caíques fossem metralhados, recebeu uma Victoria Cross e, mais tarde, foi promovido a almirante. Soldados americanos, canadenses e britânicos que de forma rotineira executavam atiradores de elite e prisioneiros das Waffen SS no campo de batalha, em suposta retaliação por atos similares, nunca foram formalmente acusados. Os julgamentos e as sentenças de Tóquio e de Nuremberg representaram não a injustiça, mas uma justiça parcial.
Tanto na Europa quanto na Ásia, a partir de 1945, o confronto com a União Soviética criou novos imperativos estratégicos, que exigiriam o alistamento de milhares de criminosos de guerra alemães e japoneses em organizações de inteligência e em estabelecimentos de pesquisa científica americanos, britânicos e russos. Com notável cinismo, os americanos anistiaram o comandante japonês da Unidade 731 de guerra biológica, tenente-general Shiro Ishii, em troca de seus segredos. Depois de uma investigação, cientistas americanos em Camp Detrick declararam que os dados fornecidos por Ishii eram inúteis. Porém, como resultado de uma decisão pessoal do comandante supremo general Douglas MacArthur, muitos dentre os vinte mil cientistas e físicos envolvidos no programa japonês de guerra biológica puderam retomar confortavelmente carreiras na vida civil, apesar de responderem por horrendos assassinatos na China. O único castigo por suas atrocidades foi aplicado pelos russos, que condenaram doze dos principais membros da Unidade 731 num julgamento em Khabarovsk, em 1949. Os culpados receberam longas sentenças de prisão; o quartel-general de MacArthur em Tóquio denunciou como propaganda tanto os julgamentos quanto as fundamentadas alegações soviéticas de um acobertamento americano aos crimes de guerra biológica do Japão.
Quem seria responsabilizado pela catástrofe que desabou sobre o Japão? O suboficial de marinha Kisao Ebisawa não deu muita importância ao assunto: "Os chefes militares... As pessoas do comando." Mas, então, acrescentou: "A rigor, porém, é preciso incluir o país inteiro, porque seu estado de espírito havia muito tempo nos arrastava para a guerra. Houve uma inevitabilidade horrível na maneira como mergulhamos cada vez mais fundo no atoleiro." Depois de 1945, o povo japonês rejeitou seus militaristas, e até mesmo os soldados que combateram na guerra, com um fervor que angustiou os veteranos do país, muitos dos quais nunca se arrependeram. O coronel Hattori Takushiro, ex-secretário militar do ministro Daurer no Japão, escreveu, com orgulho, em 1956: "O exército japonês não teve rival em sua incrível capacidade de luta, o que é uma questão separada do fato de perder a guerra." O povo japonês abraçou os Estados Unidos do pós-guerra com um entusiasmo que conquistou o coração de grande parte dos americanos que serviram no exército de ocupação. As campanhas de conquista japonesas, e o modo como tratavam os povos subjugados, especialmente os chineses, foram assuntos banidos do debate político ou social, e até dos currículos escolares. Hiroshima e Nagasaki dominaram a perspectiva japonesa depois da guerra; o imperador Hirohito manteve o trono, ainda que tenha conduzido o país à guerra, o que tornava menos plausível que seus súditos reconhecessem uma culpa coletiva.
O escritor japonês Kazutoshi Hando, sobrevivente dos incêndios em Tóquio, disse, em 2007: "Depois da guerra, atribuiu-se culpa exclusivamente ao exército e à marinha japoneses. Parecia justo, porque a população civil sempre fora enganada pelas forças armadas sobre o que era feito. O Japão civil não tinha um sentimento de culpa coletiva - e era isso que queriam os americanos, que ganharam a guerra e ocuparam o país. Da mesma forma, foram os americanos que insistiram para que a história moderna japonesa não fosse ensinada nas escolas. A consequência é que poucas pessoas com menos de cinquenta anos têm qualquer conhecimento sobre a invasão japonesa à China ou a colonização da Manchúria." No começo do século XXI, Hando fez uma palestra numa faculdade para mulheres sobre a era Showa: "Pedi a cinquenta alunas que listassem os países que não haviam lutado contra o Japão nos tempos modernos: onze delas incluíram os Estados Unidos."
"É importante discutir francamente o que aconteceu na Segunda Guerra Mundial", acrescentou Hando, "porque as relações atuais entre a China e o Japão são muito fracas. Porém, uma dificuldade para iniciar essa discussão é que pouquíssimos jovens japoneses conhecem os fatos. Muitas pessoas não apoiam nossos militantes nacionalistas, mas, ainda assim, sentem-se ofendidas com as infindáveis críticas vindas da China e da Coreia. Não gostam que esses países metam o nariz em assuntos que, para elas, dizem respeito ao povo japonês. Muitos acham que já nos desculpamos pela guerra: um ex-primeiro-ministro foi responsável pelo mais exagerado pedido de desculpas. Por mim, já pedimos desculpas suficientes." O assunto ainda não é ponto pacífico, e alguns britânicos e americanos discordam veementemente de Hando. Em 2007, por exemplo, o chefe da força aérea japonesa foi obrigado a renunciar ao cargo depois de publicar um artigo em que ressaltava a natureza filantrópica das atividades japonesas na China entre 1937 e 1945.
A Palestina está entre as regiões mais conspicuamente influenciadas pelo resultado do conflito. Por mais de duas décadas de mandato britânico, seu futuro foi intensamente debatido. O capitão David Hopkinson estava entre as centenas de milhares de soldados britânicos que passaram pela "Terra Santa" durante a guerra, e meditou sobre seu legítimo destino. Hopkinson tinha um interesse especial pela questão, porque sua mulher era em parte judia. E em 1942, ele escreveu-lhe uma carta, em Haifa, manifestando hostilidade ao sionismo, com base em sua crença de que "os judeus têm enorme valor nos países onde se estabeleceram há muito tempo. Estou tão impressionado quanto qualquer um deve ficar com as realizações técnicas e culturais dos judeus na Palestina, mas que uma minoria intensamente nacionalista tente esculpir para si um estado independente em territórios que outros também reivindicam me parece incoerente com os elevados ideais de paz e de humanidade em que os europeus civilizados acreditam".
Porém, em 1945, essas visões moderadas foram solapadas pelas horrendas revelações sobre o Holocausto. É importante enfatizar que, mesmo depois que os documentários com cenas dos campos libertados de Belsen e Buchenwald escandalizaram o mundo civilizado, a dimensão do genocídio dos judeus só foi apreendida lentamente, meso pelos governos ocidentais. Contudo, tornou-se evidente que os judeus da Europa haviam sido vítimas de um programa de assassinato em massa particularmente satânico, que deixou muitos sobreviventes sem teto e sem recursos. O comissário de Imigração dos Estados Unidos, Earl Harrison, visitou os acampamentos para Deslocados de Guerra na Europa e horrorizou-se com o que encontrou ali. Em agosto de 1945, ele informou ao presidente Truman: "Parece que estamos tratando os judeus como os nazistas fizeram, com a diferença de que não os exterminamos." Por uma enorme ironia da história, a perseguição de Hitler aos judeus transformou a sorte desse povo no mundo inteiro, dando ao sionismo um ímpeto que pareceu, a muitos ocidentais, moralmente irresistível. Nunca mais o antissemitismo seria socialmente aceito nas sociedade democráticas ocidentais; ao mesmo tempo, a matança de judeus europeus precipitou a criação do estado de Israel em 1948. Ainda assim, se o Holocausto produziu um impacto devastador e duradouro sobre a cultura ocidental, muitas outras sociedades ao redor do mundo jamais se identificaram com seu significado e, em alguns casos, até negam sua existência. Um ressentimento generalizado persiste por as potências ocidentais terem aliviado sua culpa quanto a destino dos judeus na guerra fazendo um grande gesto histórico em terras identificadas pelos mulçumanos como legitimamente árabes.
Há uma questão mais ampla: alguns historiadores modernos, cidadãos de países que foram, um dia, possessões europeias, veem seus povos como vitimas de exploração durante a guerra e sugerem que a Grã-Bretanha, em especial, os envolveu numa luta em que não tinham qualquer interesse, por uma causa que, propriamente, não era deles. Tais argumentos representam pontos de vista, mais do que conclusões probatórias, mas parece importante que os ocidentais reconheçam esses sentimentos como contraponto à noção instintiva de que nossos avós combateram "a Boa Guerra".
Na cultura ocidental, é claro, o conflito continua a exercer fascínio extraordinário para gerações que nem eram nascidas quando ele ocorreu. A explicação óbvia é ter sido o maior e mais terrível evento na história humana. No vasto escopo da luta, alguns indivíduos escalaram picos de coragem e de nobreza, enquanto outros rolaram para as profundezas do mal de um modo que impressiona a posteridade. Para cidadãos pertencentes à democracias modernas, que desconhecem grandes dificuldades e perigos coletivos, as atribulações que centenas de milhões suportaram entre 1939 e 1945 quase escapam à compreensão. Praticamente todos aqueles que participaram, países ou indivíduos, fizeram concessões morai. É impossível dignificar a luta como uma simples contenda entre o bem e o mal ou comemorar racionalmente uma experiência, e até um desfecho, que impôs tanto sofrimento a tantas pessoas. A vitória aliada não trouxe paz, prosperidade, justiça ou liberdade universais - trouxe apenas uma fração desses elementos a uma parcela daqueles que participaram do conflito. O que parece certo é que a vitória aliada salvou o mundo de um destino muito pior que se seguiria ao triunfo da Alemanha e do Japão. É com essa certeza que aqueles que buscam a virtude e a verdade devem se contentar.
(Inferno - o mundo em guerra 1939-1945; tradução de Berilo Vargas)
(Ilustração: Jen Leon Gerôme - la verité)
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