Gary Cooper White nasceu em Jersey City, Nova Jersey, mas foi para a Geórgia no mesmo ano em que entrou na escola, quando o terceiro marido de sua mãe, de uma série de cinco, conseguiu emprego numa usina local. Parte da impressão resultante da combinação de sotaques se perde na transcrição da gravação policial. Apesar disso, procurei anotar as perguntas, as interrupções e as alterações emotivas evidentes em sua voz.
A polícia encontrou nele uma testemunha muito cooperativa. Ficou algo violento e incoerente a bordo do avião em que foi trazido para Nova York, mas não ofereceu resistência aos policiais de Ohio que o encontraram. A essa altura, ele estava ansioso por tirar tudo aquilo de cima dele. De volta a Nova York, não negou o crime, mas quis que compreendessem as circunstâncias. Parecia acreditar que qualquer um na mesma situação teria cometido o mesmo crime.
A meu ver, esse foi o aspecto mais interessante da confissão: o fato de Gary White, que atacara e assassinara brutalmente Theresa Dunn, poucas horas após ele tê-la conhecido num bar de Manhattan, chamado Mr. Goodbar, considerar-se vítima da mulher que ele matara.
Tinha acabado de chegar da Flórida, onde deixara uma esposa muito jovem (dezesseis anos) e grávida. Havia um mandado de captura contra ele (assalto a mão armada) e não conseguia encontrar emprego lá. Na Carolina do Sul, um motorista descuidado dera-lhe carona e deixara o paletó no banco, entre os dois. White tirara do bolso do paletó uma carteira contendo mais de trinta dólares e documentos suficientes para arranjar trabalho na Carolina do Norte e na Virgínia. Caíra fora de ambos os lugares logo após receber o primeiro pagamento.
A julgar pelas fotos, era um rapaz bem-parecido, louro e de queixo bem marcado, lembrando, na sua roupa de brim desbotado, um figurante de filme de cowboy. Não lhe era difícil arranjar trabalho ou mulher.
Chegara a Nova York com a intenção de ficar morando com um cara que pertencera a sua unidade, no Vietnam, enquanto não conseguisse emprego. Mas o amigo já não morava no endereço de Greenwich Village que havia fornecido a White. Este perambulara pela cidade e, à noite, fora parar num bar frequentado, percebeu depois, por homossexuais. Conhecera ali George Prince (ou Príncipe George, como ele, às vezes, chamava a si mesmo), o qual, dias depois, forneceria à polícia as informações necessárias para pegarem Gary em Cleveland. White revelou a George como viera a Nova York à procura de emprego, contando com a hospedagem em casa de uma amigo até que pudesse arrumar trabalho, mas o amigo havia se mudado. George ofereceu-lhe um lugar onde ficar. Uma das poucas contradições na confissão de White é que, a princípio, ele diz não ter percebido que George era homossexual e estava de olho nele, enquanto, mais adiante, declara ter visto logo que George era fresco, mas que julgara poder lidar com ele.
O modo encontrado para “lidar” foi o de manter relações sexuais com George durante aproximadamente uma semana, sem jamais lhe dizer que o que ele realmente queria era um lugar para dormir enquanto procurava emprego. Só quando George levou outro homem para o apartamento foi que Gary se rebelou, e mesmo assim parece ter ficado mais perturbado com a ideia de o estranho tornar-se uma testemunha do que com a possibilidade de ser um terceiro parceiro sexual. Até então, encarara o que estava fazendo sob um aspecto prático. Redobrou seus esforços para arranjar trabalho, mas as festas de fim de ano estavam próximas, a maioria dos empregos temporários já estava tomada e, em Nova York, ele não contava com a vantagem automática que, no sul, qualquer um tem pelo simples fato de ser branco.
Mostrou-se cada vez mais hostil para com George, que se vingava caçoando de sua aparência e, na véspera do Ano Novo, insistindo para que Gary fosse de travesti a um baile de fim de ano. Contrastando com sua presteza em contar o que acontecera com Theresa, Gary gaguejou ao descrever, instado pela polícia, a peruca, a tiara, o longo de cetim branco e as sandálias prateadas que George lhe arrumara.
Como no caso de Theresa, Gary mostrou não sentir que tinha feito algo de errado ou evitável. Expressou raiva de George por tê-lo forçado a manter ralações sexuais com ele, ao mesmo tempo que confessava não ter sido coagido. Não achava que tivesse explorado George. (Posteriormente, sua resposta a um psiquiatra designado pelo tribunal, que lhe perguntou se não achava criticável aceitar dinheiro, comida e alojamento de alguém de quem ele não gostava, foi: “Ora, ele era apenas um veado!”)
A impressão que ele dá é de ter sempre vivido com a sensação de ter de lutar pela vida com a faca no peito, contexto no qual mesmo os anos tidos como insanos parecem perfeitamente normais. A suprema ironia de sua situação foi o fato de a polícia ter encontrado, escondido no forro de seu paletó, mais de cem dólares em notas de cinco e de dez. Ele ficou espantado quando o interrogaram a respeito.
Poupara esse dinheiro, dos pagamentos que recebera trabalhando aqui e ali,para dar à esposa grávida. Não quisera mandar o dinheiro pelo correio, nem arriscar-se a remeter uma ordem de pagamento do sul. Por isso, escondera o dinheiro no forro do paletó, com a intenção de mandá-lo de Nova York, com a ajuda do amigo quando lá chegasse.
Ao chegar a Nova York, tinha seis dólares nas calças e só se lembrou do dinheiro escondido no forro quando os policiais o descobriram, a 13 de janeiro, menos de duas semanas após o assassinato de Theresa Dunn.
(De Bar em Bar, tradução de Vera Pedroso)
(Ilustração: Francis Bacon – John)
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