Ninguém entendeu quando Vina, pleno sábado, duas da madrugada pregou um tremendo sopapo na cara do Celimar, seu macho de tantos anos.
O forró parou, o olhar de todo mundo passeou na mesma direção.
Por quê?
Vina saiu muda, sem mais alarde, o estalo da bofetada ainda no ar.
O vestido de jérsei grudado ao corpo insinuou seios flácidos, empapados de suor.
Lá fora, juntou-se à noite, à neblina do bairro, à sujeira das ruas.
Celimar, que tinha céu e mar em seu nome, nada fez. Ficou ali mesmo, sem noção de tempo e do ridículo, imune ao riso de escárnio dos companheiros.
Se Vina tinha seus porquês?
Claro que tinha: um nome que detestava (Valdivina); um hemangioma carmim no rosto, tudo de nascença; uma infância pobre e infeliz; um caso de estupro pelo próprio padrasto; patroas abomináveis que lhe sugaram o resto de viço que ainda possuía; de remate, “curiosas”, que lhe arrebentaram o útero com abortos mal feitos, deixando-a seca e debilitada, por dentro e por fora.
Destas coisas Celimar nada sabia, isto era papo de mulher.
Perdulário que era, só entendia do minguado salário que a moça despejava todinho em suas mãos, no fim de cada mês.
E como sabia torrar grana em bobageiras, mimando sua “gata” com roupas, perfumes, bijuterias... Nunca se deva ao luxo de esconder seus “causos”.
Ninguém pôde entender, naquele dia, por que Vina batera em seu homem, assim de supetão, justo ela, mulher pacata, sem vícios, dócil, trabalhadeira.
Mas ela tinha seus porquês. Tá certo que eram só da sua conta e de Deus, mas chega uma hora em que não dá mais pra aguentar, lá isso chega!
Uma bofetada sonora pouca importância teria, poucos segundos mais para ser esquecida, até mesmo por Celimar, nego safado, sem miolos...
Mas, não para ela, Valdivina da Silva. Aquele era um momento histórico, um dia memorável!
Embrenhou-se na escuridão da noite, alma lavada. Resgatou a dignidade, ergueu a cabeça, rompeu com o presente, esqueceu o passado.
(Ilustração: Di Cavalcanti)
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