segunda-feira, 28 de outubro de 2024

BRASIL: PARA COMPREENDER UM FASCISTA, de Walter Falceta

 



1) Frequentemente, o fascista se julga em uma cruzada santa contra o pecado e os pecadores.

2) Nesse campo da guerra dos costumes, ocorre a convergência entre a doutrina política conservadora e o credo evangélico.

3) Como se julga em uma missão santa, o fascista considera conveniente e até necessário agir de modo intolerante, impositivo e violento.

4) Há fascistas cultos, que são poucos, empenhados dia e noite em multiplicar a crença entre a massa de incultos.

5) A principal missão do fascista culto é fazer com que a massa se sinta prejudicada por qualquer política progressista.

6) O fascista articulador diz que negócios fracassam por causa do Bolsa Família.

7) Afirma que o branco não tem emprego em razão das políticas afirmativas de integração racial.

8) Sustenta que as aflições masculinas são resultado do empoderamento feminino.

9) Declara que os conflitos familiares decorrem de uma conspiração funesta urdida no campo da diversidade afetiva.

10) A "inteligência" fascista afirma, dia e noite, que há uma conspiração contra os valores tradicionais e que o pensamento progressista visa a perverter a juventude.

11) Uma expressão primitiva do fascismo condenou Sócrates (o filósofo), acusando-o de cometer este suposto delito.

12) Uma expressão recente do fascismo condenou Sócrates (o jogador), acusando-o de cometer o mesmo delito.

13) O fascismo tem obsessão com o tema da corrupção. A ideia é criminalizar e desqualificar o outro, aquele ideologicamente divergente, reduzindo-o à condição de bandido comum.

14) Em geral, o fascista acusa os adversários dos crimes que cotidianamente comete. Por este motivo, conhece muito bem o roteiro da argumentação caluniosa e do negacionismo. O fascismo nacional, por exemplo, tenta difundir a ideia de que Hitler era um esquerdista.

15) Ao martelar o tema da corrupção, o fascista diz aos estratos economicamente médios e inferiores que todos os seus fracassos e sofrimentos são de responsabilidade exclusiva dos progressistas.

16) O mote da corrupção é a resposta fácil para uma pergunta difícil: por que sofremos?

17) O fascista elimina todo o complexo debate sobre as razões estruturais da pobreza, do fracasso e da infelicidade social. Reduz a resposta à corrupção (supostamente praticada pelos outros) e à erosão dos costumes tradicionais.

18) O fascista e o neoliberal se entendem ao atribuir a infelicidade à preguiça e à falta de talento. Ambos isentam de culpa a exploração dos vulneráveis pelos mais fortes, sistema que preserva privilégios e regalias.

19) O fascista e o neoliberal apresentam exceções à regra para tentar justificar a doxa meritocrática.

20) O fascista trabalha sempre para que sua vontade supere o direito do outro (seja ele uma pessoa ou um grupo). Intimamente, o fascista se satisfaz quando impõe sua vontade acima da vontade dos diferentes.

21) Por tal razão, como lembra Eco, o fascista tem uma obsessão pelo militarismo, ou seja, por aquelas pessoas fisicamente fortes, fardadas e armadas que podem praticar a violência com o beneplácito do Estado.

22) O militar pode promover atrocidades que seriam motivo de punição para o cidadão comum. O mesmo se aplica aos profissionais encarregados de atuar em sessões de tortura e assassinatos políticos.

23) O fascismo aposta no rancor das massas. O rancor e o ressentimento são os combustíveis dos movimentos políticos reacionários.

24) O rancor é resultado, sobretudo, da negação sistemática da razão.

25) Novamente, a razão aponta a desigualdade e a exploração como causas do sofrimento humano.

26) A ausência da razão ajuda a difundir a tese de que o sofrimento é culpa dos diferentes.

27) O fascismo difunde uma falsa ideia de coletivo forte, de iguais empenhados em uma mesma missão. Na verdade, o fascismo elimina a democracia, concentra poderes, censura a opinião divergente e impõe uma uniformidade castradora da mente criativa.

28) Por este motivo, o fascismo tem tanto medo da arte. Incluída em uma peça do teatrólogo alemão Hanns Jost, simpático ao nazismo, é ilustrativa a frase erradamente atribuída a Goebbels: "quando ouço alguém falar em cultura, já saco o meu revólver".

29) A arte sugere o livre pensar e, inevitavelmente, estimula a subversão. Ao lidar com seus códigos de elaboração criativa, o artista identifica a maldade e a opressão. E pode ainda divulgar suas descobertas para a plateia. Toda arte verdadeira é, portanto, uma ameaça à farsa fascista.

30) O fascismo é frequentemente gestado no campo da limitação e da repressão da sexualidade. Na cama fascista, a relação carnal tende a reproduzir uma relação de poder desprovida de equivalências. No cotidiano, a libido suprimida gera frustração e, em seguida, um rancor difuso. Essa energia é, então, canalizada para o ódio contra os diferentes. A violência fascista tem como fonte os amores não realizados.



(Ilustração: cartaz da internet, sem indicação de autoria)

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