Textos, apenas textos, literários e poéticos, históricos e filosóficos, dramáticos e humorísticos; narrativos, descritivos ou dissertativos; de autores de todos os cantos do mundo...
sexta-feira, 31 de maio de 2024
OLUALÊ KOSSOLA NARRA SUA CAPTURA PELOS GUERREIROS DE DAOMÉ, de Zora Neale Hurston (*)
terça-feira, 28 de maio de 2024
A FUNÇÃO DA ARTE 1, de Eduardo Galeano
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro
lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai
enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar
estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu
fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente
conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– "Me ajuda a olhar!”
(O livro dos abraços.
Tradução de Eric Nepomuceno).
(Ilustração: Marcial Camilo Ayala)
sábado, 25 de maio de 2024
SER MULHER, de Gilka Machado
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor…
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…
Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
quarta-feira, 22 de maio de 2024
A ARTE DE SER AVÓ, de Raquel de Queiroz
domingo, 19 de maio de 2024
A CAROLINA, Machado de Assis
Querida! Ao pé do leito
derradeiro,
em que descansas desta longa
vida,
aqui venho e virei, pobre
querida,
trazer-te o coração de
companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto
verdadeiro
que, a despeito de toda a
humana lida,
fez a nossa existência
apetecida
e num recanto pôs um mundo
inteiro...
Trago-te flores - restos
arrancados
da terra que nos viu passar
unidos
e ora mortos nos deixa e
separados;
que eu, se tenho, nos olhos
malferidos,
pensamentos de vida
formulados,
são pensamentos idos e
vividos.
(Obra completa)
(Ilustração: Paul Kleee – cimetière)
quinta-feira, 16 de maio de 2024
NOSSAS NOITES, de Contardo Calligaris
segunda-feira, 13 de maio de 2024
ODE TO A NIGHTINGALE / ODE A UM ROUXINOL, John Keats
My heart aches, and a drowsy numbness pains
My sense, as though of hemlock I had drunk,
Or emptied some dull opiate to the drains
One minute past, and Lethe-wards had sunk:
‘Tis not through envy of thy happy lot,
But being too happy in thine happiness,—
That thou, light-winged Dryad of the trees
In some melodious plot
Of beechen green, and shadows numberless,
Singest of summer in full-throated ease.
O, for a draught of vintage! that hath been
Cool’d a long age in the deep-delved earth,
Tasting of Flora and the country green,
Dance, and Provençal song, and sunburnt mirth!
O for a beaker full of the warm South,
Full of the true, the blushful Hippocrene,
With beaded bubbles winking at the brim,
And purple-stained mouth;
That I might drink, and leave the world unseen,
And with thee fade away into the forest dim:
Fade far away, dissolve, and quite forget
What thou among the leaves hast never known,
The weariness, the fever, and the fret
Here, where men sit and hear each other groan;
Where palsy shakes a few, sad, last gray hairs,
Where youth grows pale, and spectre-thin, and dies;
Where but to think is to be full of sorrow
And leaden-eyed despairs,
Where Beauty cannot keep her lustrous eyes,
Or new Love pine at them beyond to-morrow.
Away! away! for I will fly to thee,
Not charioted by Bacchus and his pards,
But on the viewless wings of Poesy,
Though the dull brain perplexes and retards:
Already with thee! tender is the night,
And haply the Queen-Moon is on her throne,
Cluster’d around by all her starry Fays;
But here there is no light,
Save what from heaven is with the breezes blown
Through verdurous glooms and winding mossy ways.
I cannot see what flowers are at my feet,
Nor what soft incense hangs upon the boughs,
But, in embalmed darkness, guess each sweet
Wherewith the seasonable month endows
The grass, the thicket, and the fruit-tree wild;
White hawthorn, and the pastoral eglantine;
Fast fading violets cover’d up in leaves;
And mid-May’s eldest child,
The coming musk-rose, full of dewy wine,
The murmurous haunt of flies on summer eves.
Darkling I listen; and, for many a time
I have been half in love with easeful Death,
Call’d him soft names in many a mused rhyme,
To take into the air my quiet breath;
Now more than ever seems it rich to die,
To cease upon the midnight with no pain,
While thou art pouring forth thy soul abroad
In such an ecstasy!
Still wouldst thou sing, and I have ears in vain—
To thy high requiem become a sod.
Thou wast not born for death, immortal Bird!
No hungry generations tread thee down;
The voice I hear this passing night was heard
In ancient days by emperor and clown:
Perhaps the self-same song that found a path
Through the sad heart of Ruth, when, sick for home,
She stood in tears amid the alien corn;
The same that oft-times hath
Charm’d magic casements, opening on the foam
Of perilous seas, in faery lands forlorn.
Forlorn! the very word is like a bell
To toll me back from thee to my sole self!
Adieu! the fancy cannot cheat so well
As she is fam’d to do, deceiving elf.
Adieu! adieu! thy plaintive anthem fades
Past the near meadows, over the still stream,
Up the hill-side; and now ‘tis buried deep
In the next valley-glades:
Was it a vision, or a waking dream?
Fled is that music:—Do I wake or sleep?
Tradução de Augusto de Campos:
Meu peito dói; um sono insano sobre mim
Pesa, como se eu me tivesse intoxicado
De ópio ou veneno que eu sorvesse até o fim,
Há um só minuto, e após no Letes me abismado:
Não é porque eu aspire ao dom de tua sorte,
É do excesso de ser que aspiro em tua paz –
Quando, Dríade leve-alada em meio à flora,
Do harmonioso recorte
Das verdes árvores e sombras estivais,
Lanças ao ar a tua dádiva sonora.
Ah! um gole de vinho refrescado longamente
Na solidão do solo muito além do chão,
Sabendo a flor, a seiva verde e a relva quente,
Dança e Provença e sol queimando na canção!
Ah! uma taça de luz do Sul, plena e solar,
Da fonte de Hipocrene enrubescida e pura,
Com bolhas de rubis à beira rebordada
Nos lábios a brilhar,
Para eu saciar a sede até chegar ao nada
E contigo fugir para a floresta escura.
Fugir e dissolver-me, enfim, para esquecer
O que das folhas não aprenderás jamais:
A febre, o desengano e a pena de viver
Aqui, onde os mortais lamentam os mortais;
Onde o tremor move os cabelos já sem cor
E o jovem pálido e espectral se vê finar,
Onde pensar é já uma antevisão sombria
Da olhipesada dor,
Onde o Belo não pode erguer a luz do olhar
E o Amor estremecer por ele mais que um dia.
Adeus! Adeus! Eu sigo em breve a tua via,
Não em carro de Baco e guarda de leopardos,
Antes, nas asas invisíveis da Poesia,
Vencendo a hesitação da mente e os seus retardos;
Já estou contigo! suave é a noite linda,
Logo a Rainha-Lua sobe ao trono e luz
Com a legião de suas Fadas estelares,
Mas aqui não há luz,
Salvo a que o céu por entre as brisas brinda
Em meio à sombra verde e ao musgo dos lugares.
Não posso ver as flores a meus pés se abrindo,
Nem o suave olor que desce das ramagens,
Mas no escuro odoroso eu sinto defluindo
Cada aroma que incensa as árvores selvagens,
A impregnar a grama e o bosque verde-gaio,
O alvo espinheiro e a madressilva dos pastores,
Violetas a viver sua breve estação;
E a princesa de maio,
A rosa-almíscar orvalhada de licores
Ao múrmuro zumbir das moscas do verão.
Às escuras escuto; em mais de um dia adverso
Me enamorei, de meio-amor, da Morte calma,
Pedi-lhe docemente em meditado verso
Que dissolvesse no ar meu corpo e minha alma.
Agora, mais que nunca, é válido morrer,
Cessar, à meia-noite, sem nenhum ruído,
Enquanto exalas pelo ar tua alma plena
No êxtase do ser!
Teu som, enfim, se apagaria em meu ouvido
Para o teu réquiem transmudado em relva amena.
Tu não nasceste para a morte, ave imortal!
Não te pisaram pés de ávidas gerações;
A voz que ouço cantar neste momento é igual
À que outrora encantou príncipes e aldeões:
Talvez a mesma voz com que foi consolado
O coração de Rute, quando, em meio ao pranto,
Ela colhia em terra alheia o alheio trigo;
Quem sabe o mesmo canto
Que abriu janelas encantadas ao perigo
Dos mares maus, em longes solos, desolado.
Desolado! a palavra soa como um dobre,
Tangendo-me de ti de volta à solidão!
Adeus! A fantasia é véu que não encobre
Tanto como se diz, duende da ilusão.
Adeus! Adeus! Teu salmo agora tristemente
Vai-se perder no campo, e além, no rio silente,
Nas faldas da montanha, até ser sepultado
Sob o vale deserto:
Foi só uma visão ou um sonho acordado?
A música se foi – durmo ou estou desperto?
(Ilustração: Mikhail Vasilevich Nesterov - The Nightingale is Singing)
sexta-feira, 10 de maio de 2024
A TEIMOSA MANIA DE CORTAR CABEÇAS, de Roberto Pompeu de Toledo
terça-feira, 7 de maio de 2024
DESIDERATA / DESIDERATA, de Max Ehrmann
Go placidly amid the noise and haste,
and remember what peace there may be in silence.
As far as possible without surrender
be on good terms with all persons.
Speak your truth quietly and clearly;
and listen to others,
even the dull and the ignorant;
they too have their story.
Avoid loud and aggressive persons,
they are vexations to the spirit.
If you compare yourself with others,
you may become vain and bitter;
for always there will be greater and lesser persons than yourself.
Enjoy your achievements as well as your plans.
Keep interested in your own career, however humble;
it is a real possession in the changing fortunes of time.
Exercise caution in your business affairs;
for the world is full of trickery.
But let this not blind you to what virtue there is;
many persons strive for high ideals;
and everywhere life is full of heroism.
Be yourself.
Especially, do not feign affection.
Neither be cynical about love;
for in the face of all aridity and disenchantment
it is as perennial as the
grass.
Take kindly the counsel of the years,
gracefully surrendering the things of youth.
Nurture strength of spirit to shield you in sudden misfortune.
But do not distress yourself with dark imaginings.
Many fears are born of fatigue and loneliness.
Beyond a wholesome discipline,
be gentle with yourself.
You are a child of the universe,
no less than the trees and the stars;
you have a right to be here.
And whether or not it is clear to you,
no doubt the universe is
unfolding as it should.
Therefore be at peace with
God,
whatever you conceive Him to
be,
and whatever your labors and aspirations,
in the noisy confusion of life keep peace with your soul.
With all its sham, drudgery, and broken dreams,
it is still a beautiful world.
Be cheerful.
Strive to be happy.
Tradução de Iva Sofia
Gonçalves Lima:
Siga tranquilamente entre a
pressa e a inquietude, lembrando-se que há sempre paz no silêncio.
Tanto quanto possível, sem
se humilhar, mantenha boas relações com todas as pessoas.
Fale a sua verdade mansa e
claramente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes, pois eles
também têm sua própria história.
Evite as pessoas
escandalosas e agressivas. Elas afligem o nosso espírito.
Se você se comparar com os
outros, tornar-se-á presunçoso e magoado, pois haverá sempre alguém superior e
alguém inferior a você.
Você é filho do Universo,
irmão das estrelas e árvores. Você merece estar aqui, e mesmo sem você
perceber, a Terra e o Universo vão cumprir o seu destino.
Desfrute das suas
realizações, bem como dos seus planos. Mantenha-se interessado em sua carreira,
ainda que humilde, pois ela é um ganho real na fortuna cambiante do tempo.
Tenha cautela nos negócios,
pois o mundo está cheio de astúcias, mas não se torne um cético porque a
virtude sempre existirá. Muita gente luta por altos ideais e em toda a parte a
vida está cheia de heroísmo.
Seja você mesmo,
principalmente. Não simule afeição. Não seja descrente do amor, porque mesmo
diante de tanta aridez e tanto desencanto ele é tão perene quanto a selva.
Aceite com carinho o
conselho dos mais velhos e seja compreensivo com os arroubos inovadores da
juventude.
Alimente a força do espírito
que o protegerá no infortúnio inesperado, mas não se desespere com perigos
imaginários. Muitos temores nascem do cansaço e da solidão, e a despeito de uma
disciplina rigorosa. Seja gentil para consigo mesmo.
Portanto, esteja em paz com
Deus como quer que você o conceba e quaisquer que sejam seus trabalhos e as
aspirações. Na fatigante confusão da vida, mantenha-se em paz com sua própria
alma, apesar de todas as falsidades, fadigas e desencantos. O mundo ainda é
bonito.
Seja prudente e faça tudo
para ser feliz!
(Desiderata: um caminho
para a vida)
Tradução de Isaias Edson
Sidney:
Serenamente caminhe entre o
barulho e a pressa,
e lembre-se de quanta paz
pode haver no silêncio.
Não se humilhe,
mas atenda com educação a
todas as pessoas.
Fale o que você pensa calma
e claramente;
e ouça o que lhe dizem,
mesmo as coisas tolas e
estúpidas;
todos merecem ser ouvidos.
Evite gente barulhenta e
agressiva,
que só lhe trazem
aborrecimentos.
Não se compare com os
outros,
Isso pode torná-lo vaidoso e
amargo;
sempre haverá pessoas
melhores e piores que você.
Comemore suas conquistas e
faça planos.
Orgulhe-se de seu trabalho,
por mais humilde que seja;
ele é sua âncora ante as
incertezas da vida.
Seja cauteloso nos negócios;
pois o mundo está cheio de
trapaceiros.
Mas não deixe que isso o
torne cego para as boas oportunidades;
muitas pessoas lutam por
altos ideais;
em todos os lugares, a vida
está cheia de heroísmo.
Seja você mesmo.
Principalmente, não finja
afeto.
Nem seja cínico sobre o
amor;
pois diante de toda
insensibilidade e desencanto
ele é tão perene quanto a grama.
Aceite com tranquilidade a
passagem do tempo,
conservando o frescor da
juventude.
Cultive a força de espírito
para protegê-lo das adversidades da vida.
Não se angustie com pensamentos sombrios.
Muitos medos brotam do
cansaço e da solidão.
Cultive uma vida saudável,
cuide de si mesmo.
Você é uma criança do
universo,
não menos importante que as
árvores ou as estrelas;
você tem o direito de estar
aqui.
E mesmo que não esteja claro
para você,
não há dúvida de que o
universo está em constante evolução, como sempre.
Portanto, esteja em paz com
Deus,
seja qual for a sua
concepção dele,
e quaisquer que sejam suas
tarefas e aspirações,
nesta vida confusa e
agitada,
esteja em paz consigo mesmo.
Com toda essa falsidade,
lutas e sonhos desfeitos,
tem ainda o mundo muitas belezas.
Cultive a alegria.
Busque a felicidade.
(Ilustração: Ada Breedveld - our pleasure)
Nota: a tradução de Isaias Edson Sidney deste poema, você pode ouvi-la na voz do tradutor, neste endereço de podcast:
https://open.spotify.com/episode/51IS7fNfZouiPL6mzxPYDV?si=Aky-dgnKSaKuT2VFH3WoEw