trazaste aquí una recta de melancolía
que atravesó las vidas y las calles
Hace diez años tu adolescencia fue noticia
te tajearon los muslos porque no quisiste
gritar viva Hitler ni abajo Fidel
Eran otros tiempos y otros escuadrones
pero aquellos tatuajes llenaron ele asombro
a cierto uruguay que vivía en la luna
y claro entonces no podías saber
que de algún modo eras
la prehistoria de ibero
Ahora acribillaron en Recife
tus veintisiete años
de amor templado y pena clandestina
Quizá nunca se sepa cómo ni por qué
Los cables dicen que te resististe
y no habrá más remedio que creerlo
porque lo cierto es que te resistías
con sólo colocárteles en frente
sólo mirarlos
sólo sonreír
sólo cantar cielitos cara al cielo
Con tu imagen segura
con tu pinta muchacha
pudiste ser modelo
actriz
miss Paraguay
carátula
almanaque
quién sabe cuántas cosas!
Pero el abuelo Rafael el viejo anarco
te tironeaba fuertemente la sangre
y vos sentías callada esos tirones
Soledad no viviste en soledad
por eso tu vida no se borra
simplemente se colma de señales
Soledad no moriste en soledad
por eso tu muerte no se llora
simplemente la izamos en el aire
desde ahora la nostalgia será
un viento fiel que hará flamear tu muerte
para que así aparezcan ejemplares y nítido
las franjas de tu vida
Ignoro si estarías
de minifalda o quizá de vaqueros
cuando la ráfaga de pernambuco
acabó con tus sueños completos
por lo menos no habrá sido fácil
cerrar tus grandes ojos claros
tus ojos donde la mejor violencia
se permitía razonables treguas
para volverse increíble bondad
y aunque por fin los hayan clausurado
es probable que aún sigas mirando
soledad compatriota de tres o cuatro pueblos
el limpio futuro por el que vivías
y por el que nunca te negaste a morir.
Tradução de Urariano Mota:
Viveste aqui por meses ou por anos
traçaste aqui uma reta de melancolia
que atravessou as vidas e a cidade
Faz dez anos tua adolescência foi notícia
te marcaram as coxas porque não quiseste
gritar viva Hitler nem abaixo Fidel
eram outros tempos e outros esquadrões
porém aquelas tatuagens encheram de assombro
a certo Uruguai que vivia na lua
e claro então não podias saber
que de algum modo eras
a pré-história do íbero
agora metralharam no recife
teus vinte e sete anos
de amor de têmpera e pena clandestina
talvez nunca se saiba como nem por quê
os telegramas dizem que resististe
e não haverá mais jeito que acreditar
porque o certo é que resistias
somente em te colocares à frente
só em mirá-los
só em sorrir
só em cantar cielitos com o rosto para o céu
com tua imagem segura
com teu ar de menina
podias ser modelo
atriz
miss Paraguai
capa de revista
calendário
quem sabe quantas coisas
porém o avô Rafael o velho anarco
te puxava fortemente o sangue
e tu sentias calada esses puxões
Soledad solidão não viveste sozinha
por isso tua vida não se apaga
simplesmente se enche de sinais
Soledad solidão não morreste sozinha
por isso tua morte não se chora
simplesmente a levantamos no ar
desde agora a nostalgia será
um vento fiel que flamejará tua morte
para que assim apareçam exemplares e nítido
as franjas de tua vida
ignoro se estarias
de minissaia ou talvez de jeans
quando a rajada de Pernambuco
acabou completo os teus sonhos
pelo menos não terá sido fácil
cerrar teus grandes olhos claros
teus olhos onde a melhor violência
se permitia razoáveis tréguas
para tornar-se incrível bondade
e ainda que por fim os tenham encerrado
é provável que ainda sigas olhando
Soledad compatriota de três ou quatro povos
o limpo futuro pelo qual vivias
e pelo qual nunca te negaste a morrer.
(*) Dia 8 de janeiro de
1973, a poetisa e intelectual paraguaia Soledad Barrett Viedma foi cruelmente
torturada e assassinada pela ditadura militar, em Pernambuco. Ela estava
grávida de Daniel, codinome do Cabo Anselmo, que a traiu e a entregou à sanha de
seus algozes. Soledad foi encontrada nua, dentro de um barril numa poça de
sangue, tendo aos pés o feto de quatro meses, expelido provavelmente durante as
sessões de torturas. Este foi um dos mais hediondos crimes cometidos nos anos
de regime militar no Brasil.
(Ilustração: foto da internet: Soledad Barrett Viedma - autoria não identificada)
Nenhum comentário:
Postar um comentário