Que bicha serei eu
daqui a vinte, trinta anos?
A bicha que frequenta saunas.
A bicha que gasta metade
do salário com os boys.
A bicha arrependida,
que pede perdão a Deus constantemente.
A bicha deprimida,
que se entope de
antidepressivos e ansiolíticos.
A bicha que chora todas as noites
com saudade dos mortos.
A bicha que cuida da mãe e
que acredita ser esse o último
gesto de misericórdia.
A bicha nostálgica,
a se lamentar sempre daquilo
que poderia ter sido.
A bicha drogada,
isolada em seu apartamento.
A bicha de coração amputado,
fria,
gelada,
incapaz de amar a si mesma.
A bicha viajada,
culta,
rodeada de livros,
cheia de opiniões e conselhos
que não interessam a ninguém.
A bicha que se julga autossuficiente,
mas que não passa de um ser
que depende dos falsos elogios
recebidos em reuniões de trabalho.
A bicha que só se sente viva
nas madrugadas, pois durante o dia
o sol ilumina demais suas frustrações.
A bicha cansada,
triste,
velha,
sozinha,
que tem medo da morte.
Que bicha sou eu hoje,
aos quarenta anos?
A bicha que só faz sexo com boys.
A bicha que ainda desconfia
que dar o cu é pecado.
A bicha deprimida.
A bicha que chora diariamente.
A bicha que ama a mãe mais que tudo.
A bicha metade nostalgia,
metade desilusão.
A bicha viciada em bala, vinho, calmantes.
A bicha que tem no coração
a dor de existir.
A bicha que tem na arte
o último refúgio
A bicha que gastou
todas as suas economias
comprando um terreno no cemitério,
onde caberá ela e toda a sua família.
Todos juntinhos.
Ali.
Embaixo da terra.
Em silêncio.
Quietos.
Aceitando finalmente
aquilo que nunca devia
ter sido questionado
ou rejeitado.
Ali.
Juntinhos.
Iguais.
Insignificantes.
(Ilustração: Felix D'eon - la muerte)
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