quarta-feira, 21 de junho de 2023

QUE BICHA SEREI EU, de Mike Sullivan

 




Que bicha serei eu

daqui a vinte, trinta anos?

A bicha que frequenta saunas.

A bicha que gasta metade

do salário com os boys.

A bicha arrependida,

que pede perdão a Deus constantemente.

A bicha deprimida,

que se entope de

antidepressivos e ansiolíticos.

A bicha que chora todas as noites

com saudade dos mortos.

A bicha que cuida da mãe e

que acredita ser esse o último

gesto de misericórdia.

A bicha nostálgica,

a se lamentar sempre daquilo

que poderia ter sido.

A bicha drogada,

isolada em seu apartamento.

A bicha de coração amputado,

fria,

gelada,

incapaz de amar a si mesma.

A bicha viajada,

culta,

rodeada de livros,

cheia de opiniões e conselhos

que não interessam a ninguém.

A bicha que se julga autossuficiente,

mas que não passa de um ser

que depende dos falsos elogios

recebidos em reuniões de trabalho.

A bicha que só se sente viva

nas madrugadas, pois durante o dia

o sol ilumina demais suas frustrações.

A bicha cansada,

triste,

velha,

sozinha,

que tem medo da morte.

Que bicha sou eu hoje,

aos quarenta anos?

A bicha que só faz sexo com boys.

A bicha que ainda desconfia

que dar o cu é pecado.

A bicha deprimida.

A bicha que chora diariamente.

A bicha que ama a mãe mais que tudo.

A bicha metade nostalgia,

metade desilusão.

A bicha viciada em bala, vinho, calmantes.

A bicha que tem no coração

a dor de existir.

A bicha que tem na arte

o último refúgio

A bicha que gastou

todas as suas economias

comprando um terreno no cemitério,

onde caberá ela e toda a sua família.

Todos juntinhos.

Ali.

Embaixo da terra.

Em silêncio.

Quietos.

Aceitando finalmente

aquilo que nunca devia

ter sido questionado

ou rejeitado.

Ali.

Juntinhos.

Iguais.

Insignificantes.



(Ilustração: Felix D'eon - la muerte)

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