terça-feira, 4 de abril de 2023

TERNURA, de David Mourão-Ferreira

 





Desvio dos teus ombros o lençol,

Que é feito de ternura amarrotada,

Da frescura que vem depois do sol,

Quando depois do sol não vem mais nada…



Olho a roupa no chão: que tempestade!

Há restos de ternura pelo meio,

Como vultos perdidos na cidade

Onde uma tempestade sobreveio…



Começas a vestir-te, lentamente,

E é ternura também que vou vestindo,

Para enfrentar lá fora aquela gente



Que da nossa ternura anda sorrindo…

Mas ninguém sonha a pressa com que nós

A despimos assim que estamos sós!



(Cinco séculos de sonetos portugueses)



(Ilustração: Frida Castelli 14)

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