segunda-feira, 10 de abril de 2023

BANHO (RURAL), de Zila Mamede


 



De cabaça na mão, céu nos cabelos

à tarde era que a moça desertava

dos arenzés de alcova. Caminhando



um passo brando pelas roças ia

nas vingas nem tocando; reesmagava

na areia os próprios passos, tinha o rio



com margens engolidas por tabocas,

feito mais de abandono que de estrada

e muito mais de estrada que de rio



onde em cacimba e lodo se assentava

água salobre rasa. Salitroso

era o também caminho da cacimba



e mais: o salitroso era deserto.

A moça ali perdia-se, afundava-se

enchendo o vasilhame, aventurava



por longo capinzal, cantarolando:

desfibrava os cabelos, a rodilha

e seus vestidos, presos nos tapumes



velando vales, curvas e ravinas

(a rosa de seu ventre, sóis no busto)

libertas nesse banho vesperal.



Moldava-se em sabão, estremecida,

cada vez que dos ombros escorrendo

o frio d’água era carícia antiga.



Secava-se no vento, recolhia

só noite e essências, mansa carregando-as

na morna geografia de seu corpo.



Depois, voltava lentamente os rastos

em deriva à cacimba, se encontrava

nas águas: infinita, liquefeita.



Então era a moça regressava

tendo nos olhos cânticos e aromas

apreendidos no entardecer rural.



(Ilustração: Henri Matisse - the blue nude – 1907)

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