sábado, 11 de março de 2023

BRASIL, de Ronald de Carvalho

 





Nesta hora de sol puro

palmas paradas

pedras polidas

claridades

faíscas

cintilações



Eu ouço o canto enorme do Brasil!

Eu ouço o tropel dos cavalos de Iguaçu na ponta das

rochas nuas, empinando-se no ar molhado, com

as patas de água na manhã de bolhas e pingos verdes,



Eu ouço a tua grave melodia, a tua bárbara e grave melodia,

Amazonas, a melodia de tua onda lenta de óleo

espesso, que avoluma e se avoluma, lambe o barro

das barrancas, morde raízes, puxa ilhas e empurra o

oceano mole como um touro picado de farpas, varas,

galhos e folhagens;

Eu ouço a terra que estala no vento quente de nordeste, a

terra que ferve na planta do pé de bronze do

cangaceiro, a terra que se esboroa e rola em surdas

bolas pela estrada de Juazeiro, e quebra-se em crostas

secas, esturricadas no Crato chato;

Eu ouço o chiar das caatingas — trilos, pios, pipios, trinos,

assobios, zumbidos, bicos que picam, bordões que

ressoam retesos, tímpanos que vibram límpidos, papos

que estufam, asas que zinem rezinem, cris-cris,

cicios, cismas, cismas longas, langues — caatingas

debaixo do céu!

Eu ouço os arroios que riem, pulando na garupa dos dourados

gulosos, mexendo com os bagres no limo das luras e das

locas;

Eu ouço as moendas espremendo canas, o glu-glu do mel

escorrendo nas tachas, o tinir das tigelinhas nas

seringueiras;

e machados que disparam caminhos,

e serras que toram troncos,

e matilhas de “Corta-Vento”, “Rompe-Ferros”, “Faíscas”

e “Tubarões” acuando sussuaranas e

maçarocas,

e mangues borbulhando na luz,

e caititus tatalando as queixadas para os jacarés que dormem

no tijuco morno dos igapós...



Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo, gritando,

vociferando!

Redes que se balançam,

sereias que apitam,

usinas que rangem, arfam estridulam, ululam e

roncam,

tubos que explodem,

guindastes que giram,

rodas que batem,

trilhos que trepidam,

rumor de coxilhas e planaltos, campainhas, relinchos,

aboiados e mugidos,

repiques de sinos, estouros de foguetes, Ouro-Preto, Baía,

Congonhas, Sabará,

vais de Vaias de Bolsas empinando números como papagaios,

tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,

vozes de todas as raças que a maresia dos portos joga no

sertão!



Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil.

Todas as tuas conversas, pátria morena correm pelo ar...

a conversa dos fazendeiros nos cafezais,

a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,

a conversa dos operários nos fornos de aço,

a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias,

a conversa dos coronéis nas varandas das roças...



Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora de sol puro

palmas paradas

pedras polidas

claridades

brilhos

faíscas

cintilações

é o canto dos teus berços, Brasil, esses teus berços,

onde dorme, com a boca escorrendo leite, moreno,

confiante,

o homem de amanhã!



(Berenic Bere - Brasilíndio)

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