domingo, 22 de maio de 2022

SÓ DE SACANAGEM, de Elisa Lucinda

 

 

    



Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela ainda que passar?

Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam

entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo

duramente para educar os meninos mais pobres do que eu,

e para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus

pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e

eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança

vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança

vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o

aprendiz, mas não é certo que a mentira de maus

brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao

conselho simples de meu pai, minha mãe, meus avós e

dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva

o lápis do coleguinha”,

“Olha, esse apontador não é seu, minha filhinha”.

Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido

que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca

tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica

ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao

culpado interessará.

Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do

meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:

mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem!

Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo

o mundo rouba” e eu direi: Não importa, será esse

o meu carnaval, vou confiar mais, mais e outra vez. Eu, meu

irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a

quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.

Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o

escambau.

Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde

o primeiro homem que veio de Portugal”.

Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Ouviram?

Eu repito, ouviram? IMORTAL!

Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente

quiser, vai dar para mudar o final!




(Ilustração: Tarsila do Amaral - a cuca)

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