as mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo
invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
flor de saliva
o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
dos manequins
minhas alucinações pendiam fora da alma protegidas por caixas de matéria
plástica eriçando o pelo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
que renascem nas caminhadas
noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
visionários da Beleza
já é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias
vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação
gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
Noite
os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias
de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas
engorduradas
a Bolsa de Valores e os Fonógrafos pintaram seus lábios com urtigas
sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos
das Catedrais sem Deus
imensos telegramas moribundos trocam entre si abraços e condolências
pendurando nos cabides de vento das maternidades um batalhão
de novos idiotas
os professores são máquinas de fezes conquistadas pelo Tempo invocando
em jejum de Vida as trombetas de fogo do Apocalipse
afã irrisório de ossadas inchadas pela chuva e bomba H árvore
branca coberta de anjos e loucos adiando seus frutos
até o século futuro
meus êxtases não admitindo mais o calor das mãos e o brilho
platônico dos postes da rua Aurora comichando nas omoplatas
irreais do meu Delírio
arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
a sangria diurna de olhos fundos e neblina enrolada na voz
exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes
minhas tristezas quilometradas pela sensível persiana semiaberta da
Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumidas sobre o arco-íris
de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoievski no último corrimão do ciclone de almofadas
furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
estende até o Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
pulam no Caos
(paranoia, 1963)
(Ilustração: Henrique Alvim Correa - ilustr. para a guerra dos mundos)
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