quinta-feira, 15 de abril de 2021

PITÔCO, de Abílio Victor (Nhô Bentico)

 



Pitôco era um cachorrinho

Qu’eu ganhei do meu padrinho

Numa noite de Natá:

Era esperto, bem ativo,

Tinha dois zóio bem vivo

Sartano de lá pra-cá.

Deminhã cedo, quando me levantava,

Pitôco é que me acordava

C’os latido, sem pará,

Me fazia tanta festa,

Me lambia minha testa,

Chegava inté me bêjá.

E domingo, bem cedinho,

Eu pegava o meu bodoquinho,

Os pelote no emborná,

Pitôco corria na frente,

Dano sarto de contente,

Rolando nos capinzá.

Era domingo de méis

Dia de Santa Inêis:

Tinha festa no arraiá.

Minha mãe, co’as criançada

Tudo de rôpa trocada,

Na capela foi rezá;

Eu, fugino por uma estrada

Com Pitôco fui caçá.

Hoje, dói a minha conscência,

Da minha desobidiência.

Em não podê le sarvá.

Pitôco latia... latia,

De tanta alegria,

Sem nada podê cismá;

Eu tacava um pelote,

Fazendo virá cambóte

Um pobre cará-cará.

De repente – fiquei co’arma fria...

Gritei pr’a Virge Maria,

Que pudia me sarvá.

Uma urutu das dorada,

Num gaio dipindurada

Tava pronta pra sartá!

Pitôco... fico arripiado,

Ficô c’o zóio vidrado

I deu um sarto mortá:

Se cumbateu c’a serpente,

Arrepicô tuda de dente,

Mas num pôde se escapá.

Pitôco morreu latindo,

O seu zoinho tão lindo,

Foi fechano devagá;

Parecia inté que ria

Da minha patifaria

De num podê lhe sarvá.

E nesse mundo tão ôco,

Onde os amigo são pôco,

Dispois que morreu Pitôco

Nunca mais achei ôtro iguá!



(Ilustração: Leonid Afremov - lovely dog)



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