sábado, 20 de fevereiro de 2021

À SEPULTURA DE UM ESCRAVO, de Bernardo Guimarães

 



Também do escravo a humilde sepultura

Um gemido merece de saudade:

Uma lágrima só corra sobre ela

De compaixão ao menos....

Filho da África, enfim livre dos ferros

Tu dormes sossegado o eterno sono

Debaixo dessa terra que regaste

De prantos e suores.



Certo, mais doce te seria agora

Jazer no meio lá dos teus desertos

À sombra da palmeira, não faltara

Piedoso orvalho de saudosos olhos

Que te regasse a campa;

Lá muita vez, em noites d'alva lua,

Canção chorosa, que ao tanger monótono

De rude lira teus irmãos entoam,

Teus manes acordara:

Mas aqui - tu aí jazes como a folha

Que caiu na poeira do caminho,

Calcada sob os pés indiferentes

Do viajor que passa.



Porém que importa - se repouso achaste,

Que em vão buscavas neste vale escuro,

Fértil de pranto e dores;

Que importa - se não há sobre esta terra

Para o infeliz asilo sossegado?

A terra é só do rico e poderoso,

E desses ídolos que a fortuna incensa,

E que, ébrios de orgulho,

Passam, sem ver que co 'as velozes rodas

Seu carro d'ouro esmaga um mendigante

No lodo do caminho!...

Mas o céu é daquele que na vida

Sob o peso da cruz passa gemendo;

É de quem sobre as chagas do inditoso

Derrama o doce bálsamo das lágrimas;

E do órfão infeliz, do ancião pesado,

Que da indigência no bordão se arrima;

do pobre cativo, que em trabalhos

No rude afã exala o alento extremo;

- O céu é da inocência e da virtude,

O céu é do infortúnio.



Repousa agora em paz, fiel escravo,

Que na campa quebraste os ferros teus,

No seio dessa terra que regaste

De prantos e suores.

E vós, que vindes visitar da morte

O lúgubre aposento,

Deixai cair ao menos uma lágrima

De compaixão sobre essa humilde cova;

Aí repousa a cinza do Africano,

- O símbolo do infortúnio.





(Canto da solidão)

(Ilustração: Hands up - Basil Kincaid - 

instalação nas principais ruas de Ferguson USA)

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