quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

UNION LIBRE / A UNIÃO LIVRE, de André Breton

 

 





Ma femme à la chevelure de feu de bois

Aux pensées d’éclairs de chaleur

A la taille de sablier

Ma femme à la taille de loutre entre les dents du tigre

Ma femme à la bouche de cocarde et de bouquet d’étoiles de

dernière grandeur

Aux dents d’empreintes de souris blanche sur la terre blanche

A la langue d’ambre et de verre frottés

Ma femme à la langue d’hostie poignardée

A la langue de poupée qui ouvre et ferme les yeux

A la langue de pierre incroyable

Ma femme aux cils de bâtons d’écriture d’enfant

Aux sourcils de bord de nid d’hirondelle

Ma femme aux tempes d’ardoise de toit de serre

Et de buée aux vitres

Ma femme aux épaules de champagne

Et de fontaine à têtes de dauphins sous la glace

Ma femme aux poignets d’allumettes

Ma femme aux doigts de hasard et d’as de coeur

Aux doigts de foin coupé

Ma femme aux aisselles de martre et de fênes

De nuit de la Saint-Jean

De troène et de nid de scalares

Aux bras d’écume de mer et d’écluse

Et de mélange du blé et du moulin

Ma femme aux jambes de fusée

Aux mouvements d’horlogerie et de désespoir

Ma femme aux mollets de moelle de sureau

Ma femme aux pieds d’initiales

Aux pieds de trousseaux de clés aux pieds de calfats qui boivent

Ma femme au cou d’orge imperlé

Ma femme à la gorge de Val d’or

De rendez-vous dans le lit même du torrent

Aux seins de nuit

Ma femme aux seins de taupinière marine

Ma femme aux seins de creuset du rubis

Aux seins de spectre de la rose sous la rosée

Ma femme au ventre de dépliement d’éventail des jours

Au ventre de griffe géante

Ma femme au dos d’oiseau qui fuit vertical

Au dos de vif-argent

Au dos de lumière

A la nuque de pierre roulée et de craie mouillée

Et de chute d’un verre dans lequel on vient de boire

Ma femme aux hanches de nacelle

Aux hanches de lustre et de pennes de flèche

Et de tiges de plumes de paon blanc

De balance insensible

Ma femme aux fesses de grès et d’amiante

Ma femme aux fesses de dos de cygne

Ma femme aux fesses de printemps

Au sexe de glaïeul

Ma femme au sexe de placer et d’ornithorynque

Ma femme au sexe d’algue et de bonbons anciens

Ma femme au sexe de miroir

Ma femme aux yeux pleins de larmes

Aux yeux de panoplie violette et d’aiguille aimantée

Ma femme aux yeux de savane

Ma femme aux yeux d’eau pour boire en prison

Ma femme aux yeux de bois toujours sous la hache

Aux yeux de niveau d’eau de niveau d’air de terre et de feu.



Tradução de Claudio Willer:




Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha

Com pensamentos de relâmpagos de calor

Com a cintura de ampulheta

Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre

Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza

Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca

Com a língua de âmbar e vidro friccionado

Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada

Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos

Com a língua de pedra inacreditável

Minha mulher com cílios de lápis de cor para crianças

Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha

Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa

E de vapor nos vidros

Minha mulher com ombros de champanhe

E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo

Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo

Minha mulher com dedos de acaso e ás de copas

Com dedos de feno ceifado

Minha mulher com as axilas de marta e faia

De noite de São João

De ligustro e de ninho de carás

Com braços de espuma de mar e de eclusa

E mistura do trigo e do moinho

Minha mulher com pernas de foguete

Com movimentos de relojoaria e desespero

Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro

Minha mulher com pés de iniciais

Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem

Minha mulher com pescoço de cevada perolada

Minha mulher com a garganta do Vale do Ouro

De encontro no próprio leito da correnteza

Com os seios de noite

Minha mulher com os seios de toupeira marinha

Minha mulher com os seios de crisol de rubis

Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho

Minha mulher com o ventre a desdobrar-se no leque dos dias

Com ventre de garra gigante

Minha mulher com o dorso de pássaro que voa vertical

Com dorso de mercúrio

Com dorso de luz

Com a nuca de pedra rolada e giz molhado

E queda de um copo do qual se acaba de beber

Minha mulher com os quadris de escaler

Com os quadris de lustre e penas de flecha

E de caule de plumas de pavão branco

De balança insensível

Minha mulher com nádegas de arenito e amianto

Minha mulher com nádegas de dorso de cisne

Minha mulher com nádegas de primavera

Com sexo de lírio roxo

Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco

Minha mulher com o sexo de algas e bombons antigos

Minha mulher com o sexo de espelho

Minha mulher com olhos cheios de lágrimas

Com olhos de panóplia violeta e agulha imantada

Minha mulher com olhos de savana

Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão

Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado

Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.




Tradução de Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan:




Minha mulher com o cabelo de fogo de lenha

Com pensamentos de relâmpagos de calor

De talhe de ampulheta

Minha mulher com a talhe de lontra entre os dentes de tigre

Minha mulher com a boca de roseta e de buquê de estrelas de última grandeza

Com dentes de rastro de camundongo sobre a terra branca

Com língua de âmbar e de vidro em atritos

Minha mulher com língua de hóstia apunhalada

Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos

Com a língua de inacreditável pedra

Minha mulher com cílios de lápis de cor das crianças

Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha

Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa

E de vapor nos vidros

Minha mulher com espáduas de champanhe

E de fonte com cabeças de delfins sob o gelo

Minha mulher com pulsos de fósforos

Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas

De dedos de feno ceifado

Minha mulher com axilas de marta e de faia

De noite de São João

De ligustro e de ninho de carás

Com braços de espuma de mar e de eclusa

E de mistura do trigo e do moinho

Minha mulher com pernas de foguete

Com movimentos de relojoaria e de desespero

Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro

Minha mulher com pés de iniciais

Com pés de chaveiros com pés de calafates que bebem

Minha mulher com pescoço de cevada perolada

Minha mulher com a garganta de Vale d’Ouro

De encontro no leito mesmo da torrente

Com seios de noite

Minha mulher com seios de toupeira marinha

Minha mulher com seios de crisol de rubis

Com seios de espectro da rosa sob o orvalho

Minha mulher com ventre de desdobra de leque dos dias

Com ventre de garra gigante

Minha mulher com dorso de pássaro que foge vertical

Com dorso de mercúrio

Com dorso de luz

Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado

E de queda de um copo do qual se acaba de beber

Minha mulher com ancas de chalupa

Com ancas de lustre e de penas de flecha

E de caule de plumas de pavão branco

De balança insensível

Minha mulher com nádegas de arenito e de amianto

Minha mulher com nádegas de dorso de cisne

Minha mulher com nádegas de primavera

Com sexo de gladíolo

Minha mulher com sexo de mina de ouro e de ornitorrinco

Minha mulher com sexo de algas e de bombons antigos

Minha mulher com sexo de espelho

Minha mulher com olhos cheios de lágrimas

Com olhos de panóplia violeta e de agulha magnetizada

Minha mulher com olhos de savana

Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão

Minha mulher com olhos de madeira sempre sob o machado

Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.



(Clair de terre)



(Ilustração: Catherine Abel)




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