sexta-feira, 2 de agosto de 2019

UM POUCO DE STRAUSS, de Paulo Henriques Britto







Não escreva versos íntimos, sinceros,

como quem mete o dedo no nariz.

Lá dentro não há nada que compense

todo esse trabalho de perfuratriz,

só muco e lero-lero.



Não faça poesias melodiosas

e frágeis como essas caixinhas de música

que tocam a “Valsa do Imperador”.

É sempre a mesma lengalenga estúpida,

sentimental, melosa.



Esquece o eu, esse negócio escroto

e pegajoso, esse mal sem remédio

que suga tudo e não dá nada em troca

além de solidão e tédio:

escreve pros outros.



Mas se de tudo que há no vasto mundo

só gostas mesmo é dessa coisa falsa

que se disfarça fingindo se expressar,

então enfia o dedo no nariz, bem fundo,

e escreve, escreve até estourar. E tome valsa.


(Trovar Claro



(Ilustração: Bernard Buffet (1928-1999) - Tête de clown, 1955)

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