Paulo Leminski, em singelo metapoema, disse:
Um pouco de mao
em todo poema que ensina
quanto menor
mais do tamanho da china.
Nada mais apropriado para o mestre do verso curto, que repetia em língua lusitana o que já dissera o Bardo e de Avon: "Brevity is the soul of wit". O mesmo fio condutor, que vê nos rebuscamentos vocabulares e excessos estilísticos elementos periféricos da poesia, orientou o percurso da obra de Helena Kolody, ainda que nessa busca de síntese nossa mestra não tenha chegado aos extremos do nosso bom sacerdote paranaense, cujo primeiro nome parece confirmar-lhe a característica preconizada pelo mestre britânico: "A concisão é a alma da sabedoria".
Mas com a poetisa maior do Paraná, à medida que seus cabelos se tingiam de luar, os poemas antigos eram revisitados e sua poesia se tingia de simplicidade. Abandonava ela a camisa de força do soneto e a grandiloquência castriana de Poetas Mortos, características, aliás, a que nunca se entregara totalmente. Assim, a solenidade do "fulvo oceano de luz" e a tonitruante e caudalosa voz que denuncia os "monstros de pesadelo apocalíptico" dão lugar à comovente simplicidade do menino que recupera a alegria ao contemplar o arco-íris no céu. O quase lamuriante sentimentalismo de Reminiscência cede vez às singelas sinestesias do haicai, cuja semente, já plantada no longínquo 1941, na núbil Pereira em Flor, viria a florescer com todo o viço décadas mais tarde. À guisa de exemplo, o poema "O Inefável", nos quase 50 anos que medeiam a sua primeira publicação e a de 1988, dos 21 versos originais, foi reduzido a 3, os 3 primeiros. O esforço de dizer o indizível, na vã luta com as palavras, no dizer de Drummond, paradigma de nossa poetisa, se rende ao inevitável paradoxo da im(possibilidade) de expressão.
O poeta é um cosmonauta que encontra na palavra a solidariedade para a sua solidão e que nela consegue refugiar-se da perplexidade ante um universo estupefaciente, cujo controle, escapando-lhe às mãos, não lhe escapa à onipotência do Verbo Criador. Há a serena percepção de que a existência, outrora "uma jornada, onde se pode encontrar, nalguma curva da estrada, a figura de Lohengrin ou de Jasão", a despeito de suas exigências pragmáticas, não exclui a concretude dos sonhos, a condição mesma da vida, na imbricação da vida biológica e vida existencial, como se constata em
Carência
Algo que falta
puxa as raízes,
sobe no caule,
rebenta em flores,
no intenso impulso
de ir mais além.
Vida é carência.
Helena Kolody requer, acima de tudo, o exercício da apreensão intuitiva em determinados momentos; em outros, estarrece-nos com o simplismo do óbvio. A vaguidade, que no dizer de Augusto Meyer é a própria essência poética, restitui a possiblidade de auto-sedução, como um etéreo perfume de origem imprecisa. Como um arqueiro zen, com suas flechas-palavras, ela mira a si mesma, e leva a participar da visão de que, na percepção do devir, por ser antena da raça (como dizia Ezra Pound), o poeta inventa-se em palavras, conforma-se no dizer. Mais que nunca, o leitor é co-autor, e no momento mesmo da fruição é que se constitui o:
Significado
No poema
e nas nuvens,
cada qual descobre
o que deseja ver.
O fazer poético se configura, acima de tudo, como um espelho que, por reflexo, permite estabelecer a esfera de atuação da consciência. Como recurso de sofismável catarse, leva à constatação de que, nas insondáveis profundezas interiores, encontra-se a matéria-prima que plasma o indizível, a essência destituída de fundo e forma. A palavra é quase pretexto. A deliberada intencionalidade se dilui no fluir de um texto cujo objeto sempre oferece resistência. O signo verbal é mais um obstáculo que um instrumento, mais a pedra bruta que o cinzel. Daí a obsessão pela palavra, pela reflexão sobre o próprio fazer poético, pela verificação dos limites que a palavra impõe. São mais de sessenta metapoemas, o que traduz a incansável busca de significar o poético pela poetização do significado.
Não.
Não era isso.
O que eu queria dizer
era tão alto
e tão longe
que nem consegui soletrar
suas palavras-estrelas.
O anelo de transcendência se corporifica na "trans-significação" do inefável, que pulveriza a brevidade da vida e propicia a serena visão da perenidade do ser. A oscilação entre o anseio de Eros e a tirânica inexorabilidade de Tanatos e esfacela, no isomorfismo do Feiticeiro Inventor que não vai aos extremos de um anacrônico pós-romantismo nem desce ao frio gume da precisão matemática de um parnasianismo tardio, mas que, alheio às correntes e contracorrentes de escolas (cujo determinismo categorizante às vezes cumpre função mais descritiva que de penetração na gênese do fenômeno literário), coaduna-se mais a um Neo-Simbolismo, não tanto pelo tratamento dado aos temas quanto pela sua seleção. Não há o intimorato e etílico mergulho nas profundas regiões do inconsciente, pois HK é ela mesma a corporificação dos páramos líricos, como um ser etéreo que nunca desceu completamente à terra. O evasionismo dos primeiros anos foi dando lugar à apreensão do transcendente nas coisas simples do cotidiano, à presentificação das realizações sinestésicas. A persistência da memória propicia alargar (e ao mesmo tempo dissolver...) a dicotomização eu x mundo, e o poeta percebe que existe no mundo que nele existe. O passado não mais a contempla com olhos que já foram seus, e o ontem agora se torna o eterno agora:
Depois
Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
universo afora.
(Revista de Letras nº 01/96, do Departamento Acadêmico de Comunicação e Expressão – Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná)
(Ilustração: Gerda xWegener - 1886-1940)
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