segunda-feira, 24 de junho de 2019

A IRREPARÁVEL FUGA DO TEMPO, de Dino Buzzati




A noite já havia descido por completo. Drogo estava sentado no quarto desnudo do reduto e mandara vir papel, tinta e caneta para escrever. 

"Querida mamãe", começou, e imediatamente sentiu-se como quando era criança. Sozinho, à luz de um lampião, sem que ninguém o visse, no coração do forte para ele desconhecido, longe de casa, de todas as coisas familiares e boas, parecia-lhe um consolo poder, pelo menos, abrir completamente o seu coração. 

Claro, com os outros, com os colegas oficiais, devia comportar-se como um homem, devia rir com eles e contar histórias ousadas sobre militares e mulheres. A quem mais, senão à sua mãe, podia dizer a verdade? E a verdade de Drogo naquela noite não era uma verdade de soldado valente, talvez não fosse digna do austero forte, os companheiros teriam rido dela. A verdade era o cansaço da viagem, a opressão dos muros sombrios, o sentir-se completamente só. 

"Cheguei esgotado após dois dias de viagem", era o que escreveria, "e ao chegar soube que, se quisesse, poderia voltar à cidade. O forte é triste, não há povoados por perto, não há nenhuma diversão e nenhuma alegria." Era o que iria escrever. 

Mas Drogo lembrou-se da mãe, àquela hora ela estaria pensando justamente nele, consolando-se com a ideia de que o filho passava seu tempo alegremente com amigos simpáticos, quem sabe em agradável companhia. Ela certamente acreditava que ele estivesse contente e sereno. 

"Querida mamãe", sua mão escreveu. "Cheguei anteontem após ótima viagem. O forte é grandioso..." Ah, fazê-la entender a esqualidez daqueles muros, aquele vago ar de punição e exílio, aqueles homens desconhecidos e absurdos... Ao contrário: "Os oficiais daqui me acolheram afetuosamente", escrevia. "Também o ajudante-mor de primeira foi muito gentil e deixou-me completamente livre para voltar à cidade se quisesse. Contudo eu..." 

Talvez naquele momento a mãe andasse pelo seu quarto abandonado, abrisse uma gaveta, pusesse em ordem algumas velhas roupas, os livros, a escrivaninha; já os arrumara muitas vezes, mas parecia-lhe desse modo reencontrar um pouco a presença viva dele, como se ele fosse regressar, como de costume, antes do jantar. Parecia-lhe estar ouvindo o conhecido rumor de seus passos curtos e irrequietos, como se estivessem sempre preocupados com algo. Como ia ter coragem de amargurá-la? Se estivesse junto dela, no mesmo quarto, abrigado sob o teto familiar, aí, sim, Giovanni lhe diria tudo e ela nem teria tempo de afligir-se, pois ele estaria ao seu lado e o mau bocado já teria passado. Mas assim de longe, por carta? Sentado ao lado dela, diante da lareira, na tranquilizadora calma da velha casa, aí, sim, lhe falaria do major Matti e de suas insidiosas blandícias, das manias de Tronk! Diria que tinha sido tolo em aceitar permanecer quatro meses, e provavelmente ambos ririam disso tudo. 

Mas como fazer, assim de longe? 

"Contudo", escrevia Drogo, "achei bom para mim e para minha carreira ficar algum tempo por aqui... A companhia também é muito simpática, o serviço é fácil e nada cansativo." E o seu quarto, o barulho da cisterna, o encontro com o capitão Ortiz e a desolada terra do norte? Não devia explicar-lhe os férreos regulamentos da guarda, no simples reduto em que se encontrava? Não, nem mesmo com a mãe podia ser sincero, nem mesmo a ela podia confessar os obscuros temores que não o deixavam em paz. 

Em sua casa, na cidade, os relógios, um após outro, com toques diferentes, marcavam agora dez horas, as badaladas faziam tinir levemente os copos nas cristaleiras, da cozinha chegava um eco de risada, do outro lado da rua, um toque de piano. Através de uma estreitíssima janela, quase uma vigia, do lugar onde estava sentado, Drogo podia dar uma olhada em direção ao vale do norte, aquela terra desolada; mas agora só se enxergava a escuridão. A caneta arranhava um pouco. Embora a noite triunfasse, o vento começava a soprar por entre as ameias, trazendo desconhecidas mensagens, ainda que dentro do reduto se amontoassem, densas, as trevas, e o ar estivesse úmido e desagradável, "em suma estou muito contente", escrevia Giovanni Drogo. 

Das nove horas da noite até o amanhecer, a cada meia hora um sino tocava no quarto reduto, na extremidade direita do desfiladeiro, onde terminavam as muralhas. Soava um pequeno sino, e logo a última sentinela chamava o companheiro mais próximo; desta ao soldado seguinte e assim por diante, até a extremidade oposta das muralhas, de reduto em reduto, através do forte e ainda ao longo dos bastiões, o chamado corria na noite. "Alerta, alerta!" As sentinelas não punham nenhum entusiasmo no grito, repetiam-no mecanicamente, com estranhos timbres na voz. 

Deitado na cama, sem ter-se despido, Giovanni Drogo, tomado por um crescente torpor, ouvia de vez em quando sobrevir de longe aquele grito. "Aé... aé... aé...", chegava-lhe apenas. Tornava-se cada vez mais forte, passava-lhe por cima, com a máxima intensidade, distanciava-se pelo outro lado, caindo pouco a pouco no nada. Dois minutos depois, ei-lo de volta, reenviado, como contraprova, pelo primeiro fortim à esquerda. Drogo escutava-o ainda aproximar-se, a passos lentos e iguais, "aé. , . aé... aé..." Apenas quando estava sobre ele, repetido por suas sentinelas, conseguia distinguir a palavra. Mas logo o "alerta" confundia-se, numa espécie de lamento que morria finalmente na última sentinela, contra o pedestal dos despenhadeiros. 

Giovanni ouviu chegar o chamado quatro vezes e quatro vezes tornar a descer a orla do forte até o ponto de onde partira. Na quinta vez, chegou à consciência de Drogo apenas uma vaga ressonância, que lhe provocou um breve sobressalto. Veio-lhe à mente que não ficava bem, para o oficial de guarda, dormir; o regulamento o permitia com a condição de não se despir, mas quase todos os oficiais jovens do forte, por uma espécie de elegante altivez, permaneciam acordados a noite inteira, lendo, fumando charutos, visitando abusivamente um ao outro e jogando baralho. Tronk, a quem antes Giovanni pedira informações, dera-lhe a entender que era de bom tom ficar acordado. 

Estirado na cama, fora da zona iluminada pelo lampião de querosene, enquanto devaneava sobre a própria vida, Giovanni Drogo foi repentinamente invadido pelo sono. Entretanto, justamente aquela noite — oh, se o soubesse, talvez não tivesse vontade de dormir —, justamente aquela noite iria começar para ele a irreparável fuga do tempo. 

Até então ele passara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que na meninice parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, tanto que ninguém nota a sua passagem. Caminha-se placidamente, olhando com curiosidade ao redor, não há necessidade de se apressar, ninguém empurra por trás e ninguém espera, também os companheiros procedem sem preocupações, detendo-se frequentemente para brincar. Das casas, a porta, a gente grande cumprimenta-se benigna e aponta para o horizonte com sorrisos de cumplicidade; assim o coração começa a bater por heroicos e suaves desejos, saboreia-se a véspera das coisas maravilhosas que aguardam mais adiante; ainda não se veem, não, mas é certo, absolutamente certo, que um dia chegaremos a elas. 

Falta muito? Não, basta atravessar aquele rio lá longe, no fundo, ultrapassar aquelas verdes colinas. Ou já não se chegou, por acaso? Não são talvez estas árvores, estes prados, esta casa branca o que procurávamos? Por alguns instantes tem-se a impressão que sim, e quer-se parar ali. Depois ouve-se dizer que o melhor está mais adiante, e retomasse despreocupadamente a estrada. Assim, continua-se o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o sol brilha alto no céu e parece não ter mais vontade de desaparecer no poente. 

Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar. 

A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar. Mas Giovanni Drogo, naquele momento, dormia, inocente, e sorria no sono, como fazem as crianças. 

Passarão alguns dias antes que Drogo entenda o que aconteceu. Será então como um despertar. Olhará à sua volta, incrédulo; depois ouvirá um barulho de passos vindo de trás, verá as pessoas, despertadas antes dele, que correm afoitas e o ultrapassam para chegar primeiro. Ouvirá a batida do tempo escandir avidamente a vida. Nas janelas não mais aparecerão figuras risonhas, mas rostos imóveis e indiferentes. E se perguntar quanto falta do caminho, ainda lhe apontarão o horizonte, mas sem nenhuma bondade ou alegria. Entretanto, os companheiros se perderão de vista, um porque ficou para trás, esgotado, outro porque desapareceu antes e já não passa de um minúsculo ponto no horizonte. 

Além daquele rio — dirão as pessoas —, mais dez quilômetros, e terá chegado. Ao contrário, não termina nunca, os dias se tornam cada vez mais curtos, os companheiros de viagem, mais raros, nas janelas estão apáticas figuras pálidas que balançam a cabeça. 

Até Drogo ficar completamente sozinho e no horizonte surgir a estria de um imensurável mar parado, cor de chumbo. Então já estará cansado, as casas, ao longo da rua, terão quase todas as janelas fechadas, e as raras pessoas visíveis lhe responderão com um gesto desconsolado: o que era bom ficou para trás, muito para trás, e ele passou adiante, sem dar por isso. Ah, é demasiado tarde para voltar, atrás dele aumenta o fragor da multidão que o segue, impelida pela mesma ilusão, mas ainda invisível, na branca estrada deserta. 

Giovanni Drogo agora dorme no interior do terceiro reduto. Ele sonha e sorri. São as últimas vezes que chegarão até ele, na noite, as suaves imagens de um mundo completamente feliz. Ai, se pudesse ver a si mesmo, como estará um dia, lá onde a estrada termina, parado na praia do mar de chumbo, sob um céu cinzento e uniforme, sem nenhuma casa ao redor, nenhum homem, nenhuma árvore, nem mesmo um fio de erva, tudo assim desde um tempo imemorável. 





(O deserto dos Tártaros; tradução de Homero Freitas de Andrade) 



(Ilustração: Livia Valente, O Fluir da Vida)



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