sábado, 17 de novembro de 2018

A MULA, de Adelaide Ivánova




           "um silêncio amamentado com veneno,
             um silêncio imenso”

                       Paul Celan, tradução de Flávio R. Kothe





mede o valor de seu empenho

e afirmações tendo

como medida o peso que carrega

como boa mula não faz ideia

de quem a monta mas

está a seu serviço



como toda boa mula

empaca na beira do

abismo não morrer

é sua vingança

filomela sem língua

e mula

não pula por ódio

não por esperança

(e nisso há uma diferença

fundamental).



a mula-lavínia

também teve sua língua

arrancada de lucrécia

mula e adormecida

não arrancaram

nada mas a chantagem

é também uma mordaça

a mula-talia também

dormia quando foi

violada



foi maury e mula

que conseguiu

abrir a boca

e ao virar asno

mudou o próprio

nome e o das coisas

a nova mula aprendeu

alemão e vergewaltigung (*)

deixa de ser o que é

vira um som qualquer

dito com a mesma

entonação que cometa

fúria jacaré passarinho

fósforo procissão pedra

cacto



a mula empacada

quase muda ao menos

nunca foi surda

“até das pedras lhes ouço a desventura”

cada um tem o que diz

a mula em zarathustra

a mula de hilst

mas o rouxinol que canta

é o rouxinol macho.



(*) violação, estupro (nota do blog) 




(O Martelo)




(Ilustração: P
aula Rego)






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