En medio de un silencio desierto como la calle antes del crimen
sin respirar siquiera para que nada turbe mi muerte
en esta soledad sin paredes
al tiempo que huyeron los ángulos
en la tumba del lecho dejo mi estatua sin sangre
para salir en un momento tan lento
en un interminable descenso
sin brazos que tender
sin dedos para alcanzar la escala que cae de un piano
invisible
sin más que una mirada y una voz
que no recuerdan haber salido de ojos y labios
¿qué son labios? ¿qué son miradas que son labios?
y mi voz ya no es mía
dentro del agua que no moja
dentro del aire de vidrio
dentro del fuego lívido que corta como el grito
Y en el juego angustioso de un espejo frente a otro
cae mi voz
y mi voz que madura
y mi voz quemadura
y mi bosque madura
y mi voz quema dura
como el hielo de vidrio
como el grito de hielo
aquí en el caracol de la oreja
el latido de un mar en el que no sé nada
en el que no se nada
porque he dejado pies y brazos en la orilla
siento caer fuera de mí la red de mis nervios
mas huye todo como el pez que se da cuenta
hasta ciento en el pulso de mis sienes
muda telegrafía a la que nadie responde
porque el sueño y la muerte nada tienen ya que decirse.
Tradução de Jorge Pieiro:
Em meio a um silêncio deserto como a rua antes do crime
sem respirar sequer para que nada turve minha morte
nesta solidão sem paredes
ao tempo em que fugiram os ângulos
no túmulo do leito deixo minha estátua sem sangue
para sair em um momento tão lento
em uma interminável queda
sem braços para estender
sem dedos para alcançar a nota que cai de um piano invisível
sem mais que uma olhada e uma voz
que não recordam ter saído de olhos e lábios
que são lábios? que são olhadas que são lábios?
e minha voz já não é minha
dentro da água que não molha
dentro do ar de vidro
dentro do fogo lívido que corta como o grito
E no jogo angustioso de um espelho defronte a outro
cai minha voz
e minha voz que madura
e minha voz queimadura
e meu bosque maduro
e minha voz queima dura
como o gelo de vidro
como o grito de gelo
aqui no caracol da orelha
o latido de um mar no qual não sei nada
no qual não sei nada
porque tem deixado pés e braços na margem
sinto cair fora de mim a rede de meus nervos
mas foge tudo como o peixe que se dá conta
até cem no pulso de minhas têmporas
muda telegrafia a que ninguém responde
porque o sonho e a morte nada têm já que se dizer.
Tradução de Ricardo Domeneck:
Em meio a um silêncio deserto como a rua antes do crime
sem sequer respirar para que nada turve minha morte
nesta solidão sem paredes
no momento em que fugiram os ângulos
na tumba do leito deixo minha estátua sem sangue
para sair em um instante tão lento
em uma descida interminável
sem braços para estender
sem dedos para alcançar a escala que cai de um piano invisível
sem nada mais que um olhar e uma voz
que não se lembram de ter saído de olhos e lábios
o que são lábios? que são olhares que são lábios?
E minha voz já não é minha
dentro da água que não molha
dentro do ar de vidro
dentro do fogo pálido que corta como o grito
E no jogo angustiante de um espelho perante outro
cai minha voz
e minha voz que madura
e minha voz queimadura
e minha foz que matura
e minha voz queima dura
como o gelo de vidro
como o grito de gelo
aqui no caracol da orelha
no latido de um mar no qual não sei nada
no qual não sei nada
porque deixei pés e braços na areia
sinto cair fora de mim a rede dos meus nervos
mas tudo foge como o peixe que se dá conta
até cem no pulso das minhas têmporas
telegrafia muda à qual ninguém responde
porque o sonho e a morte já nada têm a se dizerem
(Ilustração: Edvard Munch – melancolia)
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