segunda-feira, 16 de outubro de 2017

RECOMEÇO, de Moacy Cirne







Sei do sonho:

procuro tua sombra na

penumbra

da memória líquida



e nada encontro.

A lua não é vermelha

não é violeta



não é verdecoisa

mas

os loucos da madrugada



anunciam as primeiras águas da manhã.

Sei do sonho?

Tua sombra pagã

é um corpo que me foge



das mãos cansadas de espantos

e abismos.

A árvore sonolenta

anoitece os meus delírios.



Não te vejo na claridade

do silêncio.



O sol é um pássaro ferido



na solidão



de meus gestos de meus gritos



e a hora cruviana



é uma graviola

grávida



de aromas e carnes



pronta para ser saboreada.

Sei.

Não foi um sonho.



Como encontrar,

então,

na



arquitetura fluvial

de meus quereres,

as linhas



e curvas



de teu corpo barrento-canela?

Ah, não! Ah, sim!

Existe



um



grande sertão



nas veredas da minha paixão.

E eu sei do sonho.

Procuro tua sombra líquida

e nada encontro.

A lua não é verdeluã

mas



tua sombra pagã



anoitece os meus delírios.

Como encontrar,



sol e solidão,



a arquitetura colonial



de teu corpo fluvial?

Como encontrar,



no silêncio de meus gritos,



tua sombra teus aromas tuas carnes?

Sim,

não.



Tua memória vermelha



é uma sombra grávida



de morenezas e reentrâncias



azuis.

Docemente azuis.

Barrentas e azuis.



(Qualquer tudo; 1993)



(Ilustração: foto de Elias Moraes)

Nenhum comentário:

Postar um comentário