Conheci uma senhora cujas palavras fluíam fáceis e insólitas. Ela acreditava que certas mulheres são capazes de voar durante a noite, metamorfoseando-se em vorazes pássaros noturnos. Seduzida pela eloquência e teatralidade de suas próprias palavras, ela acrescentava eufórica a opinião que tais pássaros noturnos não são apenas mulheres velhas, e que todas são, finalmente, mulheres fatais.
Olhar imperturbável, ela me disse que o voo noturno é uma característica das "bondosas damas", acrescentando com uma voz trovejante: "Pássaros vorazes de cabeça desmesurada, olhos fixos, bico afiado para a rapina, plumas brancas e garras tortas. Estes pássaros, sejam eles o fruto de uma reprodução entre sua própria raça, criados por um encanto infernal ou ainda, sejam somente velhas senhoras metamorfoseadas, nós os reconhecemos sempre pelos gritos estridentes com que amedrontam as noites."
De resto, ela me revelou ter ouvido isso em algum lugar. E eu acreditei. Alguém certamente também acreditou ser uma boa ideia falar sobre o assunto. E ela ficava assim pensativa repetindo estas palavras, com o olhar perdido. Olhar de vingança. Esse era o seu passatempo predileto, sonhar com asas largas que a levariam a distantes províncias e lhe dariam a força de escapar. Ela sonhava em escapar. Escapar dos murros, dos muros, dos gritos, das ironias, dos insultos, das dores e dos silêncios.
Gestos e nomes apoiando os seus contares, numa destas ocasiões ela me falou do escritor que disse que a força das sereias está no silêncio! "No seu silêncio! Pode imaginar pior insulto!?".
Ela me contou também que um conhecido seu, passeando em Montreal às margens do canal e numa noite de lua, entendeu uma voz que perfurou o silêncio do matagal:
"Muitos gostam de acreditar que somos todas iguais, pela nossa voz estridente ou sedutora. Julgam que somos instrumento de perdição, que somos o sonho. Desiludam-se! Somos o rosto cansado das velhas, o rosto apaixonado das jovens. Companheiras dos sonhos, com os animais elegemos nosso lar. Assim, temos uma forma bestial. Vejam aí só o que vocês sabem, pois no entanto, ignoram que mesmo sendo veneração, somos também horror. Horror e veneração.”
Quanto à mim, não sou velha; sou relativamente jovem. Meus urros, vocês não conseguem diferenciá-los no mais claro do dia. Mas quando a noite se desponta no alto dos edifícios cinzentos e que me vem este desejo de correr e gritar e gritar... gritar... e nunca mais parar... e bem, nestes momentos, o meu corpo se contorce, treme... e eu tenho frio, tenho frio, tenho um frio de morrer... e as minhas asas, elas, se armam para cobrir o meu corpo e com estas asas trêmulas escondo a minha cabeça desmesurada, os meus olhos fixos, o meu bico afiado, as minhas plumas e as minhas unhas tortas. Os meus gritos não amedrontam a noite. Enrolo-me em mim mesma, como as minhas garras, e fico lá no canto, quieta, torta e doente deste silêncio.
(Ilustração: José Luis Muñoz)
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