conheci um homem que esperava sempre sentado
nunca se soube o quê no vão de uma porta
ou no degrau de uma escada
é possível que fizesse outras coisas mas raramente
conseguia ser visto de pé
o que fazia aquele homem sempre alapado
como um soba para além de dar utilidade ao traseiro
depois do árduo trabalho de deslocar o ponto de gravidade
para ir ocupar o assento e de oferecer também
serventia ao lugar de acolhimento
que não saberia fazer mais nada de interessante?
que mais fazia aquele homem para além de me colocar
pontos de interrogação nos meandros do cérebro?
puxava de um cigarro e acendê-lo era mais trabalhoso
do que aos calceteiros pavimentar toda a rua
recostava-se para trás contra o degrau
imediatamente superior e arrancava por fim
umas fumaças de dentro do peito
como se quisesse provar que todo o seu âmago
era apenas povoado de neblina
esperava que o paivante se extinguisse
como parecia fazer à própria vida
sem qualquer pressa para apressar ou delongar a morte
sem a mínima emoção existencial
aparentemente sem interrogações
sobre a sua sina de mortal e sem qualquer preocupação
acerca do que lhe faltava ainda cumprir
antes da inapelável descida para outro degrau
às vezes dava-se o fenómeno extraordinário
de se levantar e atravessar a rua
sem se apressar sequer com o trânsito
e ir ocupar o assento da paragem do autocarro
ali ficava como se estivesse à espera dele
e dos sucessivos autocarros de cada meia-hora
sem embarcar em nenhum
punha-se apenas a vê-los chegar e retomar a marcha
como se tivesse por destino apenas ficar
enquanto todos os outros só queriam partir
mas também ele partiu certamente
pois há muito vejo o degrau e o assento vazios
não sei se caiu alguma vez de algum desses poisos
se foi esmagado a atravessar a rua
ou atingido por um raio ou um meteorito
penso que finalmente deve ter tomado
o único autocarro que lhe servia de destino
que ele sabia que só passaria uma vez
e que não podia perder de modo nenhum
(Praça da Poesia, 29
de Maio de 2013)
(Ilustração: Gan T-Seng - old man - Malaysia)
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