Na volta da lua-de-mel, Maria em lágrimas confessou à mãe que ainda era virgem.
Lembrava dona Sinhara como o noivo se apresentou pálido na igreja, por demais nervoso? Justificou que, filho amoroso, muito se afligia com a mãe doente. No ônibus, a mão suada, e esquecido da noiva, olhava a paisagem.
Primeira noite o varão fracassou vergonhosamente. Foi alegada inexperiência. A estranha palidez na igreja de violenta crise nervosa — a mãe tinha saúde perfeita. Maria iludiu-se que era desastre passageiro. Ai dela, assim não foi: noite após noite João repetiu o fiasco. Arrenegava-se de trapo humano, não tomava banho nem fazia a barba. A pobre moça buscou recuperá-lo para os deveres de estado. Uma noite, envergando a capa pijama, saiu de óculo escuro, a noite inteira entregue às práticas do baixo espiritismo.
— O que me conta, minha filha! Me nego a acreditar. João, um rapaz tão simples, tão dado… Dona Sinhara evocava o noivo delicado e de fina educação.
— É para a senhora ver, mãe!
Dia seguinte ao casamento um tipo esquisito, que vivia aflito. Uma feita e outra feita, submeteu a moça a provas de intimidade, as quais não foram além do ensaio.
Mais que se enfeitasse para agradá-lo, indiferente aos encantos de Maria. De vez em longe, sem resultado, perseguia o impossível ato. Depois a acusava de única culpada. Suspeitando-a de traição com o primeiro noivo, agredida a bofetão e pontapé:
— Tem de apanhar bastante, Maria. Você é uma histérica!
Proibida de pintar a olho, tingir o cabelo, usar saia curta e calça comprida, sem que ele chegasse a conhecer a noivinha.
Pretendia arrastá-la ao suicídio a fim de esconder o seu desastre. Em provocação soprava-lhe no rosto a fumaça do cigarro.
Com a brasa queria marcar-lhe a bochecha para que deixasse de ser vaidosa.
— Por que judia de mim, querido?
— Bem sabe por que, sua cadela!
E, quarenta dias de casada, vinte em viagem e vinte em casa, ali estava Maria, a mais inteira das donzelas.
— Ter uma conversa com esse sujeitinho — bradou furiosa dona Sinhara.
Não era tudo: comprou coleção de fotos pornográficas, obrigada a admirá-las uma por uma. Nem assim prestou-se aos caprichos do noivo — eram quadros imundos e pecaminosos. Suspendendo pelo cabelo ou afogando a garganta, ele a constrangia às suas loucas fantasias. Saciado, era jogada ao chão, dali erguida aos bofetões.
— Ah, o teu pai que saiba… – persignou-se dona Sinhara.
Na volta da lua-de-mel, João em lágrimas confessou à mãe que a noiva não era pura. Desde a primeira noite, mais carinhoso que fosse, acusava-o de trair o seu ideal. Só havia casado para se livrar dos pais e merecer o título de esposa.
— Por que judia de mim, querida?
— Você não soube ganhar o meu amor.
Ao exigir satisfações, ouviu dela que tinha caspa na sobrancelha. Censurava-o por deixá-la fria e manifestava repulsa física. Se insistia em tomá-la nos braços, atacada dos nervos, atirava-se ao chão em convulsões. Para reanimá-la, sacudia-a gentilmente, batia de leve no rosto.
Não era a ele que amava e sim ao primeiro noivo, de quem se separou por exigência dos pais. Três dias antes do casamento, estivera com a mãe na casa de Joaquim, propusera com ele fugir, mas o outro respondeu que era tarde. Além do mais, segunda dona Sinhara, todos os convites já distribuídos.
Não queria confessar, obrigada revelava toda a verdade — somente nojo sentia por ele, os seus dentes eram amarelos:
— Depois que me beija tenho de cuspir três vezes!
Não saía do espelho, olho pintado, de saia curta ou calça comprida, o cabelo retinto de loiro:
— Nasci para artista. Não mulher de você, una pobretão!
Reclamando de sua presença no leito conjugal, implicava com o assobio do nariz torto de João:
— Vai você ou vou eu para a sala?
Por ter comido salada de cebola — lembrava-se a mãezinha de como gosta de bife sangrento? — forçado a dormir no sofá.
— O que me conta, meu filho! Me nego a acreditar. Maria, moça tão querida, tão dada… Educada no colégio de freiras, toda cuidados com a futura sogra: um beijinho aqui, um abracinho ali.
— É para ver, mãe! Usa roupa de baixo que a senhora não imagina…
Se não a deixasse em paz, Maria acabava seus dias: engolindo vidro moído, escrevia com batom no espelho que era o culpado. Tal intriga fizera para os sogros que, ao visitá-la, conversavam apenas com a filha, nem cumprimentavam o pobre rapaz, como se ausente estivesse. Uma tarde surgiu-lhe o sogro porta adentro, bradando que recolhera a moça descabelada. Queria saber o que lhe fizera para que ficasse tão chorosa. Se era verdade que lhe marcava a coxa, com brasa de cigarro, se lhe surrupiava o dinheiro da bolsa, se ao sair de casa apagava todas as luzes. Sem esperar a resposta, berrou que tinha mais duas filhas para casar e bateu a porta.
— Ter uma conversa com essa sujeitinha — acudiu furiosa dona Mirazinha, com a mão no peito, sofria de palpitação.
Qual a sua surpresa: a náusea da noiva era… de estar…
— Grávida?! — espantou-se dona Sinhara. — Grávida, apesar de virgem?
O incrível resultado de um ato falho do noivo, segundo Maria, tanto bastou para a concepção.
— Grávida?! — surpreendeu-se dona Mirazinha. — E ainda pretende que é virgem?
— Para a senhora ver, mãe, quem ela é. Após a confissão do filho, Maria foi visitada pela sogra:
— Eu vivo para Cristo. Não para o imundo de seu filho!
Após a confissão da filha, João recebeu a visita de dona Sinhara, que se instalou na companhia dos noivos. A moça não deu a menor atenção a João assim não fosse o rei da família. Ele passava o dia no trabalho e, de volta, queria certa liberdade: lá estava a maldita sogra. Negando-se a moça a ir para o quarto, ficavam bocejando na sala diante da televisão, até que dona Sinhara os mandava dormir. Ele não exercia poder sobre a noiva: nem bife sangrento nem cebola na mesa.
Bem desconfiou que ela era amante da própria tia Zezé. Revoltou-se contra a atitude da noiva que, instigada pela mãe, se negava a cumprir o dever conjugal, arrependida de ter casado tão novinha quando podia aproveitar a vida.
Sempre na casa do pai, Maria confidenciava que João dormia a manhã inteira. À tarde, em vez de ir para o emprego, escondido na esquina, espiava se a pobre moça não recolhia o ex-noivo Joaquim. Mostrava uma folha em branco, exigia lhe revelasse o que estava escrito, eram palavras em tinta invisível — bom pretexto para tentar esganá-la a toda custo.
Existe um motivo para o noivo sentir ciúme, pensou dona Sinhara, é não ser o rei da casa. Bradou para Deus e o mundo que João não era homem bastante para sua filha.
O moço confidenciou para a mãe que, na tarde anterior, entrara a noiva batendo a porta (ó família que tanto bate a porta) e gritando bem alto:
— Fomos a uma parteira. Ela provou que sou virgem!
O pobre rapaz discutiu com o sogro que era detalhe para ser esclarecido.
— Quantos anos você tem, João?
— Vinte e três, sim senhor.
— Com essa idade, João, não sente vergonha de uma esposa virgem?
— Virgem, porém grávida.
O velho indignado exigiu a filha de volta. Respondeu João que Maria estava muito bem com ele. O sogro berrou que se retirasse imediatamente, e a partir daquele dia, proibido de pisar nos seus domínios.
Dona Mirazinha perguntou a uma amiga:
— Como vai a grande cadela?
Porque a chamava de cadela, Maria nunca mais foi visitá-la.
Cada um se queixa do outro para a respectiva família. Ora, a família de Maria está ao lado dela. E a família de João ao lado dele. Casados de três para quatro meses e Maria, segundo ela, sempre virgem. Como pode ser, contesta João, se está grávida?
Um mistério que até hoje não foi decifrado.
(A Guerra Conjugal)
(Ilustração: Francisco Ribera Gomez)
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