Os percevejos têm hábitos especiais: esperam que a gente apague a vela e, logo que se pilham no escuro, investem. Não se dirigem ao acaso; vão diretamente ao pescoço, ponto preferencial; às vezes procuram os pulsos; alguns, mais raros, preferem os tornozelos. Não se sabe por quê, introduzem sob a pele da pessoa adormecida um óleo sutil, urticante, cuja virulência se exaspera com a menor fricção.
A coceira que despertou Fleurissoire era tão forte, que ele acendeu de novo a vela e correu para o espelho, a contemplar, sob o maxilar inferior, uma confusa vermelhidão crivada de pontinhos brancos, indistintos; mas a candeia clareava pouco; o espelho era de estanho sujo, e o seu olhar estava enevoado de sono... Deitou-se outra vez, coçando sempre; apagou a luz; acendeu-a cinco minutos depois, porque a dor estava intolerável; pulou até o lavatório, molhou o lenço no jarro e aplicou-o sobre a zona inflamada; esta, cada vez mais extensa, já atingia a clavícula. Amédée pensou que estava ficando doente, e rezou; depois apagou a luz novamente. O alívio obtido com a compressa teve duração curta demais para que o paciente readormecesse; agora, a atrocidade da urticária estava acrescida pelo incômodo do colarinho ensopado, que continuava a molhar com lágrimas. E subitamente estremeceu de horror. "Percevejos! São percevejos!" Admirou-se de não ter pensado nisso antes; mas só conhecia o inseto de nome; como poderia ter ligado a ideia de uma mordidela, que sempre imaginara precisa, com aquela queimadura indefinida? Saltou da cama e pela terceira vez acendeu a vela.
Teórico e nervoso, tinha, como muita gente, ideias erradas sobre os percevejos; gelado de nojo, começou por procurá-los em si mesmo; deles não viu sombra, julgou estar enganado, e já começava a imaginar-se doente outra vez. Em cima dos lençóis, nada, também. Mas, antes de se deitar, veio-lhe a ideia de levantar o travesseiro. Viu então três minúsculas pastilhas pardacentas que, rapidamente, se alojaram numa dobra do lençol. Eram eles!
Pôs a vela em cima da cama, cercou-os, abriu a dobra. Surpreendeu cinco percevejos e, com repugnância, não os querendo esmagar de encontro à unha, jogou-os no vaso noturno, onde urinou. Durante alguns instantes, contente, feroz, ficou a vê-los debaterem-se, e logo se sentiu um pouco aliviado. Deitou-se: soprou a vela.
Quase imediatamente redobraram as coceiras, agora novas, na nuca. Exasperado, reacendeu a luz, levantou-se de novo, arrancou a camisa para examinar bem o colarinho. Afinal distinguiu, rente com a costura, a correrem, imperceptíveis pontos vermelho-claros, que esmagou contra a fazenda, onde deixaram marcas de sangue. Bichinhos asquerosos, tão pequenos, custava a crer que já fossem percevejos! Mas, pouco depois, ao levantar de novo o travesseiro, desanimou um enorme: com certeza a mãe de todos. Então, encorajado, excitado, quase divertido, tirou o travesseiro, desmanchou a cama, e começou a pesquisa com método. Agora parecia-lhe que os via em toda parte; mas afinal só pegou quatro. Deitou-se outra vez e pôde gozar uma hora de tranquilidade.
Depois, as queimaduras recomeçaram. Mais uma vez atirou-se à caça. Afinal, esgotado, entregou os pontos e reparou que a queimadura, quando não se coçava, passava logo. Ao amanhecer, os últimos inimigos, fartos, deixaram-no em paz. Dormia um sono profundo quando o criado veio acordá-lo para que não perdesse o trem.
Em Toulon foram as pulgas. Com certeza as recolhera no trem. Durante a noite toda se coçou, virou-se e revirou-se, sem dormir. Sentia-as correr ao longo das pernas, faziam-lhe cócegas nos rins, dando-lhe febre. Como tinha a pele delicada, as mordidelas lhe produziam pápulas exuberantes, que inchavam porque ele se coçava com um meio prazer. Acendeu algumas vezes a vela; levantava-se, tirava a camisa, punha-a de novo, sem ter conseguido matar nenhuma; mal as avistava um instante: escapavam à sua sanha, e, mesmo se chegava a pegá-las, quando as julgava mortas, esmagadas sob o dedo, elas engordavam outra vez, e pulavam, salvas do mesmo jeito. Chegou a ter saudades dos percevejos. Ficou louco de raiva, e com o nervosismo dessa busca inútil acabou por comprometer de uma vez o sono.
E durante todo o dia seguinte as picadas lhe produziram comichões, ao mesmo tempo que outras coceiras lhe provavam que continuava a ser frequentado. O calor excessivo aumentava consideravelmente o seu mal-estar. O trem regurgitava de operários que bebiam, fumavam, cuspiam, arrotavam, e comiam um chouriço tão malcheiroso que Fleurissoire, por várias vezes, esteve a ponto de vomitar. Entretanto, só teve coragem de sair desse compartimento na fronteira, pois temia que os operários, vendo-o tomar outro, supusessem que o estavam incomodando. No compartimento que tomou então, uma volumosa ama de leite trocava as fraldas do seu bebê. Contudo, fez esforços para dormir; mas o chapéu que trazia não lhe dava conforto algum. Era um desses chapéus rasos, de palha branca, com fita preta, chamados comumente palhetas. Quando Fleurrisoire o deixava na posição ordinária, a borda, rígida, afastava sua cabeça do tabique. Se, para se apoiar, erguia um pouco o chapéu atrás, o tabique, com os solavancos, o precipitava para frente; quando, pelo contrário, prendia o chapéu atrás, a borda ficava entre o tabique e a nuca, e o chapéu se erguia sobre a cabeça, como uma válvula. Resolveu tirá-lo duma vez e cobrir a cabeça com o lenço, que, por causa da claridade, deixava caído sobre os olhos. Ao menos para aquela noite, já tomara precauções: tinha comprado em Toulon, de manhã, uma caixa de pó inseticida e, por mais caro que fosse, não hesitaria em procurar um dos melhores hotéis; porque, se essa noite também não dormisse, em que estado de miséria fisiológica não iria chegar a Roma? À mercê do mais insignificante mação.
Diante da estação de Gênova faziam ponto os ônibus dos principais hotéis; dirigiu-se logo para um dos mais elegantes, sem se deixar intimidar pelo ar caçoísta do criado que se apossou da sua lamentável malinha, da qual porém não quis se separar; negou-se a consentir que a pusessem em cima do carro, e fez questão de a levar ao seu lado, no banco. No vestíbulo do hotel, ouvindo o porteiro falar francês, sentiu-se à vontade; já mais confiante, e não contente com pedir "um quarto muito bom", perguntou o preço de todos, resolvido a ver inconvenientes nos que custassem menos de doze francos.
O quarto de dezessete francos, pelo qual se decidiu depois de visitar muitos, era vasto, asseado, elegante sem exagero: a cama adiantava-se no quarto, uma cama de cobre, limpa, com toda a certeza inabitada, para a qual o píretro seria uma injúria. Dentro duma espécie de armário enorme, estava dissimulado o toalete. Duas grandes janelas davam para o jardim; Amédée, debruçando-se dentro da noite, contemplou longamente as folhagens sombrias e indistintas, deixando que o ar morno lhe acalmasse a febre e o persuadisse a ir dormir. Em cima do leito, um véu de tule caía, como um nevoeiro, exatamente de três lados; pequenos cordéis, semelhantes a raízes de vela, o erguiam na frente, fazendo uma curva graciosa. Fleurissoire reconheceu naquilo um mosquiteiro - coisa que sempre desprezara.
Depois de se lavar, estendeu-se com delícia nos lençóis frescos. Deixara a janela aberta; naturalmente não de todo, por medo ao resfriado e à oftalmia, mas com um dos batentes descido, de modo que os eflúvios não o alcançassem diretamente; fez as contas e as orações, depois apagou a luz. (A iluminação era elétrica, para apagar virava-se a cravelha dum interruptor da corrente.)
Fleurissoire ia adormecendo quando um cantinho fino lhe veio relembrar a precaução, que não tomara, de só abrir a janela depois de apagar a luz; porque esta atrai os mosquitos. Também se lembrou de ter lido, em algum lugar, agradecimentos ao bom Deus por haver dotado o inseto volátil com aquela musiquinha particular, apropriada para avisar o dorminhoco do instante em que vai ser picado. Depois, fez cair ao redor de si o cortinado intransponível. "Afinal", pensou ele ao adormecer, "isto é bem melhor do que aqueles cones de erva seca, com o esquisito nome de fidibus, que o pai de Blafaphas vende; a gente os acende num pires de metal; eles se consomem, espalhando abundante fumaceira narcótica; mas, antes de tontear os mosquitos, quase asfixiam a gente. Fidibus! Que nome esquisito! Fidibus..." Já estava adormecendo, quando, de repente, na aba esquerda do nariz, sentiu uma picada aguda. Levou a mão até lá ; e, enquanto apalpava delicadamente a ardida inchação da carne, outra picada no pulso. Depois, junto da orelha, um zum-zum caçoísta... Que horror! Tinha aprisionado o inimigo dentro da cidadela! Alcançou a cravelha da luz, restabelecendo a corrente.
Sim! Lá estava o pernilongo, pousado bem no alto do mosquiteiro. Um pouco presbita, Amédée o distinguia muito bem, absurdamente fino, pousado sobre quatro pés e com o outro par de patas, longo e como que encaracolado, atirado para trás: insolente! Amédée ergueu-se no leito. Mas como esmagar o inseto de encontro a um tecido fugidio e vaporoso?... Não faz mal! Bateu com a palma da mão, tão forte e rapidamente, que julgou ter arrebentado o cortinado. Com toda a certeza o mosquito estava por ali; procurou o cadáver com o olhar; nada viu; mas sentiu nova picada no tornozelo.
Então, para proteger o máximo da sua pessoa, voltou de novo para a cama; ficou um quarto de hora, atoleimado, sem coragem de apagar a luz. Depois, tranquilizado, não vendo nem ouvindo o inimigo, apagou. E imediatamente recomeçou a música.
Tirou para fora um braço, deixando a mão perto do rosto, e, às vezes, quando julgava sentir algum pousado na testa ou na bochecha, aplicava vasta bofetada. Mas, logo depois ouvia o inseto cantar.
Teve ideia de cobrir a cabeça com o lençol, o que perturbou consideravelmente sua volúpia respiratória e não impediu que fosse picado no queixo.
Então o pernilongo, com certeza satisfeito, ficou quieto; pelo menos Amédée, vencido pelo sono, cessou de ouvir; já tinha arrancado o lenço do pescoço e dormia um sono de febre, coçando-se enquanto dormia. No dia seguinte, o nariz, de seu natural aquilino, assemelhava-se ao de um bêbado; a inchação do tornozelo tinha crescido como um prego e a do queixo tomara um aspecto vulcânico - que ele recomendou à solicitude do barbeiro, quando, antes de deixar Gênova, foi fazer a barba, para chegar decente em Roma.
(Os subterrâneos do
Vaticano; tradução de Miroel Silveira e Isa Leal)
(Ilustração: Paul Cadmus; sleeping nude)
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