Terrenos baldios, pontos de ônibus, banheiros públicos, cinemas na Praça da República (uns boxes estranhos), espaços religiosos, transportes coletivos, casas de desconhecidos, ruas escuras, construções abandonadas, casas vazias, praças pela madrugada, matagais, ruelas e vielas escuras pela noite. Alguns poucos motéis. Quando penso nas minhas relações sexuais não posso pensar em outros lugares além destes. Talvez tenha havido algum lugar "normal", mas no geral não. Vivi minha sexualidade em guetos, sombras e perigos.
Nunca frequentei ambientes LGBTs por excelência. Como garoto pobre, que mal tinha dinheiro para a condução, tive de viver meus afetos dentro dos limites que meu olhar me mostrava. Eram estes sempre os espaços públicos. Hoje, olho para estas experiências e penso: " Fernando, você esteve sempre no limiar. No risco do crime homofóbico", se ocorresse, e por diversas vezes poderia ter ocorrido, a culpa não seria minha, de forma alguma. Diferente dos colegas de classe heterossexuais, " levar para meu quarto" nunca foi uma opção. Namorar de mãos dada no sofá, nunca foi uma opção.
Meu desejo era bestial. E para a bestialidade o mundo heterossexista reserva sempre espaços bestiais que precisamos tornar nossos. Espaços à margem, para pessoas marginais. Eis a cartografia do sexo que provei.
Talvez uma cartografia do sexo seja, também, uma cartografia dos sujeitos. Os sujeitos do sexo. No meu caso, eu não era sujeito do meu sexo. Jamais o fui. Eu era objeto, predicado do sexo do outro, geralmente o outro que se identifica como heterossexual e que me pergunta, ao ver-me parado no ponto de ônibus: " Quer chupar rola?", assim, do nada. Não aprendi sobre o valor do meu corpo gay. Aprendi sobre o valor do corpo " deles". Aquele corpo straight, aquele ópio de masculinidade normativa. Aprendi, que aquele corpo era desejável. Aprendi a não dizer-lhe não. Em alguns momentos, não tive nem ao menos tempo para dizer não. Quando me dava conta, a pergunta era simultaneamente acompanhada pelo abrir o zíper e mostrar-me o excitado membro. Jamais disse "não". Eu não podia. Um não provavelmente o enfureceria. E a baixa-estima me dizia: " se não for com esse aí,talvez você, feio assim, não vai ter sexo com ninguém". Eu me rendia.
Aqueles espaços eram também o espaço para ocultar o desejo do corpo straight em ter-me. Não a mim, ali, para aquele corpo straight eu era apenas boca e ouvido, para escutar o que me era dito. Minha boca, não era minha, poderia sempre ser " qualquer boca". Não faria a menor diferença para " eles".
O ativismo LGBT ou o ativismo queer são importantes na conquista de direitos, mas são vitais na conquista da dignidade. Na percepção da dignidade de nossos corpos. Na valorização de nosso " ser". Hoje, digo não, e não tenho medo da reação de ninguém. Digo não e pronto. Minha sexualidade ainda tem uma cartografia, ainda um tanto estranha, mas nesta nova cartografia sou eu o sujeito e não o sujeitado.
(Ilustração: Monica Majoli)
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