(...) O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa
composição. O princípio é conhecido: na periferia, uma construção em anel; no
centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face
interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o
interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior,
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia
na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um
operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz pode-se perceber da torre,
recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas
celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator
está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O
dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e
reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou
antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se
conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um
vigia captam melhor do que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é
uma armadilha. (FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.)
Os dispositivos eletrônicos de telecomunicação distribuídos
na sociedade do século XXI, tais como telefones celulares e pagers
bidirecionais, são extremidades de grandes sistemas interconectados que estão
capturando, processando e transmitindo voz, dados pessoais, comerciais,
bancários, corporais e de outras espécies num grau que, ao mesmo tempo em que é
extremamente alto, já se tornou cotidiano, habitual e pouco a pouco vai se
tornando natural, tendendo a ser imperceptível pela onipresença. A combinação
do barateamento e disseminação desses dispositivos com a disseminação das redes
de telecomunicações está inevitavelmente reunindo de modo perverso uma
gigantesca variedade de recursos de monitoramento dos cidadãos, e que passam a
estar disponíveis para governos, empresas, instituições ou para o crime
organizado. Pelas mais variadas razões, o controle desses recursos torna-se
estratégico para a sobrevivência de grupos, organizações, processos ou Estados.
O atentado de 11 de setembro contra as duas torres do World Trade Center
consolidou definitivamente essa necessidade: de agora em diante, a privacidade
é apenas um conceito bipolar: lícito para o Estado, suspeito para o cidadão.
(Ilustração: Eastern State Penitentiary, aerial crop)
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