O
poeta é um cientista com preguiça.
(Michel
Consolação)
O lar-laboratório, casulo
e consolo. Morada biotéria.
O [tubo de] ensaio de um
amor líquido-gasoso. De solidez, apenas nossa efêmera química. Sentimentos
sublimados, condensados, vaporizados. Jamais pistilo e pipeta, cadinho e
pompete. Instrumentos descabidos, codinomes impronunciáveis.
Eu, a ruiva-alva, de
polipropileno coração, cobaia de uma experiência virtualmente planejada.
Ele, uma espécie de
professor Pardal. O cientista maluco, de peito-autoclave.
Ironicamente a televisão
aberta e suspensa da antessala anunciava uma matéria qualquer de um Domingo
Espetacular. E de fato foram noites agradáveis do mais enfadonho dos dias da
semana. Lembro de uma em particular, onde a chuva batia na janela e o vento
dedilhava a persiana. Barulhinho bom.
– Preciso de uma bebida
para relaxar. – Disse eu, ainda confusa.
– Se eu soubesse tinha
trazido. Só tenho água para te oferecer.
Não caberia [ou não
saberia] classificar o que se sucedeu nas duas horas seguintes. Era um misto de
paz e urgência, desejo e pânico, riso e lástima. Uma intimidade, ainda que
artificial, pré-fabricada em minutos. Não lembro de ter me sentido tão à
vontade com alguém tão distante. Mesmo opostos [ele médico, eu monstro; ele
criador, eu criatura], uma empatia de angústias e pesares.
Não saberia [ou não
caberia] explicar o que se sucedeu nas duas semanas seguintes. Tudo foi tomado
pelo silêncio. Uma cidade vazia como nossos copos, nossos corpos.
Não mais bom dia.
– O que você vai fazer
hoje?
– Nada. E você?
– Nada também.
– Vamos fazer nada juntos?
São diálogos bloqueados,
desfeitos, deletados. Afetos liquefeitos. Experimentos previamente testados e
engavetados. Arquivados nos labirintos da memória que insistimos em perder.
Às vezes pareço um rato
correndo em círculos numa esteira invisível. Um animal de teste engaiolado.
Manipulado e reprovado. Não mais monitorado. Pronto para ser substituído. Morto
numa câmera de dióxido de carbono ou ingerindo uma carga enorme de anestésicos.
Aliás, é assim que me sinto: entorpecida. Um ser apático, desprovido de razões
e pretextos. Sequelada e incapaz de novas experiências. Incinerada junto ao
lixo hospitalar.
Amores voláteis não
resistem às segundas-feiras. Não merecem segunda chance.
(Ilustração: afresco de Pompeia)
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