As pulgas sonham em comprar um cão,
e os ninguéns em deixar a pobreza; que em algum dia mágico a sorte chova de
repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem
hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais
que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce ou se levantem com o
pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguéns,
os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo
soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam idioma, falam
dialetos.
Que não praticam religiões, praticam
superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são
recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na História
Universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que
a bala que os mata.
(O livro dos abraços, tradução de Eric Nepomuceno)
(Ilustração: Nikolai Kasatkin)
(O livro dos abraços, tradução de Eric Nepomuceno)
(Ilustração: Nikolai Kasatkin)
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